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KHINEMA: Artes e Espetáculos

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    quinta-feira, março 19, 2009


    http://www.infolink.com.br/~paulofrancis/pf4g92.htm
    Cinema em 1992
    * Versão 01- dez98 *

    (OESP, 05/01/92) - Nova York - Restos a pagar. Amigos com filhos adolescentes me contam que os pimpolhos foram ver JFK, de Oliver Stone, e fizeram grupos de discussão sobre o filme, de que gostaram muito. O New York Times, em editorial, diz que Jim Garrison (Kevin Costner) foi uma figura malévola, mas que gente de uma certa idade recebe suas informações de imagens, apenas, e está condenada às trevas do desconhecimento. Tom Wicker, o colunista liberal do New York Times, defensor de todas as causas politicamente corretas que assim fossem classificadas, foi o repórter que cobriu JFK em Dallas, 1963, e está horrorizado com a mendicidade de Oliver Stone. Wicker vai se aposentar. Escrever livros. Só a solidão criadora consola deste mundo cada vez mais chulo, árido e vulgar. A força da imagem e a mentira da imagem. Domingo Benavides não identificou conclusivamente Harvey Lee Oswald como assassino do policial Tippit, diz Oliver Stone, e mostra uma foto de Benavides. Fui conferir. Benavides identificou Oswald como assassino de Tippit, mas não quis jurar que era ele. Um homem honesto. Sim, mas duas outras pessoas, a sra. Markhan e o sr. Coggins, presentes ao local do crime, identificaram Harvey Lee Oswald. Adolescentes que não eram um brilho no olhar de seus pais quando Kennedy foi assassinado não têm fonte de referência com que possam contrastar o sensacionalismo de Oliver Stone. Como disse, semana passada, seria preciso que o vice-presidente Lyndon Johnson, todo o Pentágono, toda a CIA, todo o FBI, toda a política de Dallas, Robert e Ted Kennedy, irmãos de John F. Kennedy, estivessem envolvidos na conspiração para jogar a culpa em Harvey Lee Oswald. E num país em que um segredo dura no máximo algumas semanas (ver Watergate, ver Irã-Contras), em 29 anos, um silêncio opressivo cai sobre os supostos autores reais do crime, se não foi Oswald. Ninguém intelectualmente respeitável defendeu o filme. Stone responde que é gente do establishment e que está, ainda que por omissão, na conspiração de silêncio contra JFK. É a síntese perfeita da filosofia da esquerda de botequim que ele representa.

    (OESP, 06/02/92) - Brasil - Traduzi para o inglês, para David Lean, um script de Mário Peixoto. Proustiano. Ele quis me pagar. Preferi fazer-lhe uma homenagem. Não tinha preço, o que me custou, uma semana trabalhando de 6 de manhã à meia-noite.

    (OESP, 09/02/92) - Londres - Moeurs feminismo. O que está na moda? O que a imprensa diz, ou os gurus culturais politicamente corretos, ou o que o povo mostra que quer? Em Londres, as ruas ficaram vazias de carros, como uma vez antes, na apresentação da minissérie Uma Jóia na Coroa, para ver o capítulo final de outra minissérie, Um Tempo para Dançar, na BBC, com Ronald Pickup e Derwla Kiwani, script de Melyn Bragg, do seu romance epônimo. Público estimado, 12 milhões de espectadores, um optimum em ibope na Grã-Bretanha. A história é do caso de um gerente de banco, de meia-idade, Ronald Pickup, 54, e uma menina com idade para ser sua neta, Kirwani, 18. Começa como o estupro de Kirwani por Pickup. Ela adere ao, quando o estupro é inevitável, relaxe e aproveite. Pelo que leio a minissérie é sexo, dependência sexual, do princípio ao fim, com intimidades nunca reveladas em televisão, ou cinema, falando nisso. Li parte do script, num dos jornais, em que Kirwani diz: "Aqui, aperta aqui, agora mexe cá, isso, vai agora para cima", etc. Pode ser pornografia, não sei, não vi, mas é assim que as pessoas se portam na vida real. Não é praxe em cinema. Sempre achei que quando vemos uma cena supostamente sexual em filme é uma reprodução sofisticada de um homem no bordel. Não se diz nada. Bem, quando se está pagando, não é necessário muita conversa. Mas paixão sexual é muito falada, durante o ato. Bragg é romancista e tem um espetáculo dominical chamado The South Bank Show, de entrevistas, que vão de Laurence Olivier a roqueiros. Com o extraordinário sucesso dessa minissérie tornou-se uma espécie de dono da TV inglesa, e, claro, é atacado ferozmente. Piers Paul Read, o escritor católico, escreveu que, se os trabalhistas ganharem a próxima eleição, Bragg será ministro da Cultura, e teremos essa trepadeira de Um Tempo para Dançar todo dia. A frase, falando nisso, um tempo para dançar, é do Eclesiastes, da Bíblia.
    Jonathan Miller, homem de cinema, teatro e TV, escreve no Sunday Times que está farto de Bragg, que ele deveria ser feito lorde e enterrado para sempre na Câmara dos Lordes. O artigo pinga veneno. Será inveja, ou repulsa estética e cultural, ou tudo junto? Gloria Steinem, feminista americana, de passagem em Londres, se queixou da dependência sexual da mulher vis-à-vis o homem na minissérie, dependência masoquista. Isso não existe, segundo o feminismo oficial. Gloria, iletrada, faiscando seus dentes encapados e uma beleza fané, aos 57 anos. Waaal... Foi muito bonitinha, grandes coxas, em 1968, quando tinha sido bunny da Playboy. Sem ver Um Tempo para Dançar, não posso opinar, claro, mas é certo que é a obra mais explícita sexualmente depois de O Amante de Lady Chatterley. D. H. Lawrence achava que a única maneira de romper a barreira de classe na Inglaterra era pelo sexo entre o jardineiro e a lady. Bragg concorda e se inspirou obviamente em Lawrence, embora não haja a diferença de classes entre Pickup e Kirwani que havia no romance de Lawrence. Mas há de gerações, de uma velha e convencional Inglaterra e outra, jovem, com que o autor sonha... Bragg quer abrir a constipada sociedade inglesa pelo sexo. Os politicamente corretos reagem contra filmes como Fatal Attraction, afinal de uma veracidade corriqueira, mas o público não lhes dá bola. Fatal Attration foi um enorme sucesso de bilheteria, e as mulheres torciam desesperadamente por Anne Byrne, aplaudindo a esposa quando mata a amante intrometida, a maravilhosa Glenn Close. O que o público quer é o sexo velho de guerra, que não está na cartilha ideológica das feministas e dos eunucos intelectuais que as servem.

    (OESP, 13/02/92) - Nova York - Não se amplia a voz de um idiota, diz Millôr Fernandes, e, em geral, concordo, mas no vazio cultural de hoje quando o idiota dispõe de uma máquina de propaganda e capachos para servi-lo e pretende nos dar aulas sobre acontecimentos históricos importantes, é um dever cívico contestá-lo, no Brasil principalmente, em que quase todo mundo vive no mundo da lua. Aqui o filme de Stone foi reduzido a pó de traque pelos intelectuais. No Brasil, não há por que haver conhecedores dos Kennedys. Pouca gente vive que já era adulta em 22 de novembro de 1963 e ainda escreve. Os jovens, na maioria, nos dizem os educadores, apreendem o mundo pelas imagens. Lê-se muito pouco. A aridez, cultural da nossa imprensa nos deixa sedentos. É preciso regar um pouco esse deserto. Como Stone é desonesto e iletrado (recipied por received, em entrevista. Isso não é erro de revisão. É entrevista ao órgão-morto neo-analfabetismo, o USA Today...) Comparem, por exemplo, o brilhante tour de force de Tom Wolf no romance A Fogueira das Vaidades com as cenas melodramáticas de Michael Douglas e Sheen Junior, em Wall Street. Com The Doors, que não vi, Stone declarou a The Economist, antes da estréia, que temia uma comoção social tal o impacto do filme. O dito cujo, claro, afundou sem deixar traço. Assim como quando se lê um ignorante, ou se fala com ele, lhe percebemos logo a ignorância, a abertura do filme, com o discurso de Eisenhower contra Kennedy, usado pró-Kennedy, já entrega a falta de conhecimento de Stone sobre Kennedy. Uma cena espetacular é aquela em que Stone apresenta um ator latino e alguém diz que Domingo Benavides não identificou positivamente Oswald como assassino do policial Tippit. Fui checar. Domingo Benavides identificou, sim, Oswald, mas não quis jurar em corte de Justiça por lhe faltar certeza... Um homem honesto. Mas que Stone não é que o relatório da Comissão Warren apresentou seis testemunhas do assassinato de Tippit por Oswald, dos quais o principal é um chofer de táxi William Coggins, que estava a 4 metros de Oswald. Howard Brennan, que está vivo e mora em Dallas, viu com seus próprios olhos Oswald atirando em Kennedy. Era empregado do Depósito de Livros em Dallas, companheiro de emprego de Oswald. Stone, na sua resposta pueril ao meu primeiro artigo, disse que não havia impressões digitais de Oswald no rifle Mannlicher-Carcano. Respondi que eu havia falado de marcas de nitrato mostrando que Oswald tinha disparado o rifle. Esta semana, David W. Bellin, um dos advogados da Comissão Warren, me corrige, na New York, escrevendo que foi encontrada uma impressão digital da palma da mão e do dedo mindinho esquerdo de Oswald no rifle. Puseram um subtítulo idiota, em JFK, A pergunta que não quer calar. O filme merece.
    (...) Melannie Griffiths, que à maneira de Marilyn Monroe, parece sempre em vias de ter um orgasmo ou tendo, está em Shining Through como espiã americana na 2a. Guerra. Um SS, de olhos vendados, brincando de cobra-cega, mandava prendê-la assim que lhe ouvisse a voz...

    (OESP, 16/02/92) - Brasil - Me contam que no Brasil o sonífero Casa da Rússia é um sucesso. Jesus. De gustibus, etc. O livro era chato. O filme é intolerável, apesar das paisagens da ex-Leningrado.

    (OESP, 23/02/92) - EUA - Mário Peixoto, que conheci via Brutus Pedeira, um dos meus melhores amigos já mortos, era um recluso por motivo tão banal que nem vou mencioná-lo. Limite não é obra-prima. É muito chato. Mais chato só os filmes de Tarkovski. Mas Limite tem momentos de criatividade. É preciso entender que o cinema mudo, ao sabor do comércio, ia desenvolvendo uma linguagem quando veio o som e tudo teve de ser repensado. Depois veio a cor e toda uma estética preto-e-branco teve de ser jogada no lixo, porque as Tvs, quando ficaram em cores, não quiseram mais exibir filmes preto-e-branco. E ainda forçaram uma redução do tamanho da tela. É a única arte que sempre dependeu dos vendilhões do tempo. Mário quis fazer outros filmes. Eu próprio lhe traduzi um script para David Lean. Era intrincadíssimo. Difícil saber de outras tentativas, porque depois que Brutus morreu perdi contato com ele. E Limite, claro, merece um lugar na história do cinema, um registro.
    JFK, cocô, oito indicações para o Oscar. O filme acusa o presidente dos EUA, as Forças Armadas, a polícia federal (FBI) e a CIA de assassinar Kennedy. Só aqui. Em outros países algum barrigudo cheio de penduricalhos faria Stone ter um acidente.

    (OESP, 01/03/92) - EUA - O desespero nunca esteve tão em moda. O suicídio de Steiner em La Dolce Vita, uma bobagem melodramática de Fellini, porque ele se mata e à família para fugir ao inevitável holocausto nuclear, deu papos infindáveis. Desesperados, sim, mas bebíamos o melhor uísque, Chivas ou Black Label...
    (...) Mas o grande ator que Olivier foi, felizmente registrado em alguns filmes imortais, nem um biógrafo decente consegue, hoje. As coisas não eram tão boas como hoje parecem ser, mas havia gente ímpar, não éramos todos produção em massa, aquela produção que Chaplin imortalizou em Tempos Modernos. Spoto é fruto, fruta, disso. Waaal...
    (...) Que besteira darem a Grand Canyon o Leão de Prata em Berlim, quando havia Woody Allen com Sombras e Neblina e o brilhante diretor australiano Gillian Armstrong, ou será diretora?, que já nos deu My Brilliant Career, com The last days chez nous. Quando vi Grand Canyon, os críticos reclamavam em voz alta. "Sem essa", "Essa não". Europeu adora visões desoladas dos EUA, como a de Wim Wenders, cujo Paris, Texas, aqui, provoca enfado ou risos pela inautencidade. Os americanos falam pior de si próprios melhor do que qualquer europeu. Woody Allen coloca Madonna num bordel em Shadows and Fog. Enfim...

    (OESP, 08/03/92) - Nova York - Tento ver Things to Come, de H. G. Wells, um dos primeiros science-fiction, literário e cinematográfico, e tem Ralph Richardson e Raymond Massey. Mas é chato. Fala-se pelos cotovelos e pouco acontece. Dirigido por William Cameron Menzies, o diretor artístico de ...E o Vento Levou.

    (OESP, 15/03/92) - Nova York - Está havendo um Festival James Bond canal de cabo, dois filmes por dia, da fase Sean Connery e Roger Moore. Lembro a delícia do primeiro Bond, 1962, com Ursula Andress num biquíni escasso, a canastronice deliciosa, Fu Man-chu, de Joseph Wiseman, como Dr. No, a exploração fantasiosa hábil da tecnologia, a mágica moderna. Sean Connery deu a bond uma ameaça, um senso de perigo, que nenhum outro ator reproduziu. De origens humildes (como Cary Grant e Clark Gable), Connery, bonito, superou esse handicap pela presença máscula. Eu diria que, depois de Clark Gable, ele foi o único macho certificado do cinema. Os romances de James Bond são de Ian Fleming, inglês bem-nascido, educado em Eton e Sandhurst (academia militar). Fleming foi do MI-6, Military Intelligence Seção 6, o serviço de espionagem inglês, mas não há a menor tentativa de realismo nos livros. Nunca li um inteiro. Leitor devoto era John Kennedy, que adorava a violência e o sexo e falou bem de Fleming, de público, enriquecendo-o antes dos filmes. Fleming nem pôde gozar o dinheiro. Morreu prematuramente com 56 anos em 1964. Sua mulher, Anne, amiga de Evelyn Waugh, esnobe feroz, não tardou muito em segui-lo. Os filmes acentuam a violência dos livros, mas diminuem o sexo, o que é tipicamente americano. Os americanos são sexualmente puritanos e se descarregam na violência. Mas, repito, podem ser delícia. Viajamos de primeira classe com Bond pelo Caribe, Cortina de Ampezzo, Rhodes, etc. As chegadas de Bond a hotéis maravilhosos, em que ele pedia um vodca-martini, sacudido mas não mexido, e mulheres lindas lhe caíam nos braços, foram um dos prazeres secretos da minha geração. Ontem vi For Your Eyes Only, com Roger Moore, um digno sucessor, mais bem-nascido que Connery, mas sem a agressividade do antecessor e que se sai melhor pela ironia, pelo senso de superioridades assumido discretamente pelo ator, mas que passa à platéia. Moore, neste filme, quase comete uma pedofilia com uma lourinha. Moore, que estreou na minha cabeça como o amante de Elizabeth Taylor em The Last Time I Saw Paris, 1954, tinha uma beleza sofisticada demais para o paladar populista da nossa época. Bond fez sua fortuna. Mas o sexo nos filmes é casto. É muito mais sugerido que concretizado. Não é impróprio para crianças. Ian Fleming foi criticadíssimo por John le Carré. Como fantasista, enquanto a realidade nua e crua da espionagem, com suas implicações políticas, filosóficas e existenciais, seriam expressas por Le Carré. E em verdade o aparente realismo de livros como The Spy Who Came in from the Cold e Tinker, Tailor, Soldier, Spy foi um sucesso. Le Carré sabe criar uma atmosfera de desolação a la Graham Greene e há discussões políticas adultas, como a de Fiedler, o comunista espiritual, idealista, e Leamas, o ocidental rude, pão, pão, queijo, queijo, que só sabe que comunismo é um horror. Ou no final de Tinker, Tailor, quando o traidor do serviço secreto diz a Smiley, "Nós nos tornamos rameiras dos americanos, fazendo trottoir para eles". E, no entanto, curiosamente, Le Carré nunca foi espião como Fleming. Foi do MI-5, Military Intelligence Seção 5, o serviço de segurança. Enquanto Bond batalha Spectre, a organização de homens do mal, que quer apenas o vil metal, Smiley combate Karla, o superespião comunista, o stalinista incorruptível. Agora, com o fim do comunismo, os ladrões de Spectre certamente continuam existindo, ainda que de maneira não tão romanceada, ao passo que os comunistas como Karla são criações românticas de Le Carré.

    (OESP, 19/03/92) - EUA - Ashcroft é também a Mrs. Moore do filme de David Lean Uma Passagem para Índia, de E. M. Forster. Mais uma vez, para ser franco, ela me diz mais do que o filme (nas cavernas, quando antecipa sua morte, dá-nos um dos maiores momentos de interpretação do século). Uma Passagem para a Índia é tido como o melhor romance já escrito sobre a Índia e Forster, Edward Morgan Forster, conhecido pelos amigos como Morgan Forster, é tido, com Virginia Woolf, como o último romancista inglês de categoria internacional. Morreu aos 92 anos, em 1970.
    Nunca mais escreveu um romance depois de Passagem, em 1924. Era um invertido radical, triste e achava muito chato pretender amor entre homens e mulheres nos seus romances. Era discretíssimo. Lionel Trilling, o grande crítico americano, escreveu um livro sobre Forster sem saber que ele era invertido. Forster declarou francamente que gostava de ser machucado por jovens da classe trabalhadora. Um pouquinho melhor do que seu grande amigo e mentor Goldsmith Lowes Dickinson, catedrático em Cambridge, para quem o orgasmo só vinha se alguém desabasse em cima dele. De gustibus, etc... Até 40 anos, diz seu excelente biógrafo P. N. Furbank (E. M. Forster, a Life, Harcourt Brace Jovanovich, US$ 19,95, 618 págs), Forster não tinha a mais remota idéia de como se fazia o ato sexual, à parte beijos e abraços e umas porradinhas que o deliciavam. Ou seja, quando escreveu Howards End, 1910, que agora é um filme de grande sucesso da dupla Ismail Merchant e James Ivory, com Vanessa Redgrave, Anthony Hopkins, Emma Thompson (a mulher de Kenneth Brannagh, em Henry V e na vida real) e aquela menina sem pescoço, Helen Bonham-Carter, de A Room With a View (traduzido sutilmente para Uma Janela para o Amor), ou seja, em Howards End e A Room With a View, 1908, Forster não sabia aquilo que até as pulgas amestradas sabem e fazem, segundo Cole Porter. Forster ficaria estarrecido com seu sucesso cinematográfico. Uma das razões por que parou de escrever foi o relativo sucesso literário de Howards End e, o maior, de Uma Passagem para a Índia (há por falar nisso uma carta esplêndida de um administrador colonial contestando o que Forster diz que os colonizadores na Índia faziam aos indianos. Forster ficou furioso mas sem resposta. Página 126 do segundo volume de Furbank, edição dos EUA). Ele queria amor e sossego. Terminou a vida em menage à trois com um policial e sua mulher. Menage platônica depois que o policial se casou. Antes, solteiro, pelo visto, machucava Forster satisfatoriamente. Nenhum dos filmes tem nem de longe a qualidade dos livros. Mas Lean matou bem a charada do que aconteceu nas cavernas com Adela Quested (Judy Davis) e Aziz (Victor Banerje). A grande Judy Davis executa um orgasmo involuntário e, puritana, tem uma reação paranóide de inversão psicológica, acusando Aziz de tentativa de estupro. Forster não dá explicações. Uma personagem que indique o que Forster acreditava? Margaret Schlegel (Emma Thompson), em Howards End. Um bom homem, Forster. E, apesar de seus problemas, não enlouqueceu como James Joyce, que disse a Samuel Beckett, em 1939, que Hitler tinha começado a 2a. Guerra para ofuscar o brilho do lançamento de Finnegans Wake... Ivory e Merchant estão fazendo um público alérgico à pornografia, grunhidos iletrados, afro-centristas, etc. Prestam um serviço, e Mr. e Mrs. Bridge, com Paul Newman e Joanne Woodward, foi o melhor filme do ano atrasado.
    (...) Em Billy Bathgate há uma cena que me tirou a respiração. Três tomadas consecutivas, de baixo para cima, do solo ao campanário, de uma igreja branca no Brooklyn onde Dustin Hoffman vai ser batizado. É cinema.
    O ator é o fotógrafo Nestor Almendros, que nos deu também o momento supremo de Sophie’s Choice; Kevin Kline, Meryl Streep e Peter MacNicol estão num telhado de casa em Brooklyn, procurando escapar do calor. A cacofania dos três, a confusão de sentimentos, é, pela primeira vez harmonia, sem que uma palavra seja dita, mas nesse silêncio as ligações perigosas do trio no livro, ausentes do filme, aparecem vividamente na tela. Quero crer novamente que é a mágica de Almendros e não a direção de Alan Pakula que cria a cena. Almendros fez um documentário fascinante sobre os maus-tratos dos presos políticos em Cuba. Era cubano de nascença e tentou trabalhar com a revolução, antes que caísse na ditadura total. Se opunha em especial à perseguição de Fidel aos invertidos, tratados como criminosos. Almendros morreu há duas semanas. Registro com atraso, sem problema, dada a pobreza dos necrológios.

    (OESP, 26/03/92) - Rio de Janeiro - A Morte e a Donzela. Esse título é de um quarteto de Schubert que o torturador da protagonista de A Morte e a Donzela, de Ariel Dorfman, interpretado por Gene Hackman, tocava para sua torturada, Glenn Close, ela de olhos vendados, e a estuprava intermitentemente. A mulher, depois do período Pinochet, casada com um advogado encarregado de restabelecer direitos humanos no Chile, reconhece a voz de Hackman, rapta-o, venda-lhe os olhos, toca o quarteto de Shubert e quer julga-lo. O marido, Richard Dreyfuss, discorda, com o argumento que terrorismo não se combate com terrorismo. Não vi ainda a peça. (...)
    Mas não confundir alhos com bugalhos. O tema de A Morte e a Donzela preocupa os artistas desde A Orestéia, de Ésquilo, que absolve Orestes e condena Electra e Clitemnestra, os deuses como Apolo e Atenas pregam a criação de uma justiça baseada não em paixões de mulheres, mas em jurisprudência. Duvido que Dorfman toque nesse assunto e Rich, nem pensar. Ainda assim uma peça que mexa com a cabeça da gente e não só com outros órgãos não é desprezível.

    (OESP, 26/03/92) - Nova York - Revendo na televisão trechos de Mr. e Mrs. Bridge, como Paul Newman e Joanne Woodward, o melhor filme, disparado, de 1990 e que, até hoje, em qualquer cena de Paul e Joanne há mais verdade do que em todas essas bobagens como Silêncio dos Cordeiros (inocentes), Bugsy, Thelma e Louise, e o resto que compete ao Oscar da Academia, examino Paul e Joanne como gente. São mais ou menos meus contemporâneos, Joanne do mesmo ano, meses mais velha, de fevereiro de 1930, e Paul se aproximando dos 70. Mas têm de se maquiar como velhos, porque parecem muito mais moços. Mas na penúltima cena em que Joanne vai tirar o carro da garagem, neva e ela fica presa, quando a vemos na cozinha, natural e se, cuidados, sozinha, seu rosto é um livro luminoso de toda uma vida, em que se vê uma espécie de impasse, harmonizado, conciliado, porque toda a vida é frustrada e realizada, simultaneamente, mas damos mais conta de nossas frustrações. Estou falando das pessoas bem-sucedidas e não dos desgraçados da Terra, naturalmente.
    O filme do momento é Instinto Básico, pura pornografia, com Michael Douglas e uma mulher chamada Sharon Stone, cujos coxaços são extraordinários, e ela os exibe fartamente, sem calcinhas. O apelo à "ignorância" não poderia ser maior. O final é totalmente absurdo, mas não vou contar para não, waaal, estragar o "prazer" de quem, putz... O script é de um certo Esterhaze, o nome do verdadeiro traidor no caso Dreyfus, será parente?, e custou US$ 3 milhões. É obviamente palmeado do script de Sea of Love, em que Al Pacino investiga uma suposta assassina de homens que lhe fariam amor e acaba se enrascando com Ellen Barkin, a quem já amei, mas que, no momento, não gosto porque está com cara de paraíba.
    Sharon Stone é bissexual, todas as mulheres do filme são, e Michael Douglas diz algumas coisas muito politicamente incorretas sobre as filhas de Safo. Protestando contra a imagem assassina de sua gente, em Instinto Básico, e no que chamam no Brasil O Silêncio dos Inocentes e JFK, em que também os acusados de Kevin Costner são bichonas estilo Madame Satã. Invertidos e lésbicas querem filmes em que seu sexo projete imagem positiva. Waaal, em Internal Affairs, a lésbica partenaire de Andy Garcia é uma colegona, mas tenho a impressão de que o público prefere o que os "cineastas" estão apresentando, a bicha assassina, a lésbica engole-ele-paletó, etc. É a vox populi, que já disseram ser a vox Dei.

    (OESP, 26/03/92) - Nova York - Num documentário gostoso sobre a Metro, Katherine Hepburn, Maureen O’Sullivan, etc., são identificados como "atores", e não atrizes. Bobagem. Freud dizia que as mulheres tinham "inveja do pênis". Querem, hoje, fazer tudo que os homens fazem. E que não sabiam o que queriam. A babel feminista dispensa comentários.
    (...) Bugsy pode ganhar o prêmio da Academia. Duvido que ainda assim dê dinheiro. É longo demais, tem uma certa complexa tortuosidade nas relações humanas, principalmente de Beatty e Bening, e não satisfaz os de paladar mais exigente pela cena de reconciliação em que Bening quer devolver o dinheiro que roubou. Inacreditável. É o velho lugar-comum de Hollywood, "atrair simpatia" para as personagens. Bening, uma personalidade cheia de frescor, estava excelente até então. Ela e Ben Kingsley, como Meyer Lansky. Também gostei do ator que faz Lucky Luciano. Mas US$ 40 milhões por essa droga de luxo?
    (...) Dirk Bogard, a quem sempre achei simpático mas ator monocórdico, está com 71 anos e seu oitavo livro, um romance, Jericho, não li nada, mas leio entrevista no Sunday Times em que ele conta que quando era galã jovem e bonito tinha de ir às estréias com as braguilhas costuradas porque as moças queriam segurar o menino-jesus dele. Waaal, francamente...

    (OESP, 02/04/92) - Nova York - (...) "Pela primeira vez indicaram um cartum", disse Billy Cristal, apresentando o Oscar e se referindo à Bela e a Fera, e "Com exceção de Dan Quayle..." Foi o ponto alto da noite. Mas aquele carrinho que entrega os envelopes. Putz. Houve a honra justa a Jack Palance, que nos deu 40 anos de prazer. A Hal Roach, com 100 anos. É talvez útil lembrar que a Academia foi um engana-trouxa organizado pelos magnatas de Hollywood, quando seus empregados queriam iniciar sindicatos. Virou hoje a maior massagem de ego dos referidos empregados e fonte do seu enriquecimento. "Não faça nada", dizia lorde Melbourne, o primeiro-ministro que segurou a rainha Vitória no trono. "Você só se meterá em encrencas." Aqui, ao menos, comerciais caríssimos e raríssimos. Meryl Streep pelo American Express, ano passado. Este, um drácula dentuça, ataca jovem loura que lhe dá uma Coca-Cola, que ele bebe, a contragosto, e se transforma em Tom Cruise. Um dinheirão que se joga nesses comerciais institucionais. Me pergunto se os patrocinadores precisam, ou se é mania de grandeza. Se espera um tempão para saber os prêmios que valem alguma coisa, filme, atriz e ator. Só. Alguns prejudicam, como coadjuvante que fica tão valorizado pelo prêmio que nunca mais alguém quer pagar seu salário. Waaal... Billy Cristal é quase tão engraçado como Johnny Carson, apresentando o show, mas que dizer desse ódio insano de Hollywood a Barbara Streisand e, principalmente, a Warren Beatty, o homem que nos deu Reds e Bonnie and Clyde? E se premia um filme que faz a apologia do canibalismo. Não é Oscar, é Oscarito...
    (...) Entrevistas com atores são cacetérrimas, porque em geral só se interessam pelo seu ofício e não conseguem articular como nos emocionam ou fazem rir. Mil biografias confirmam essa misteriosa, mágica, ignorância. Recentemente, numa biografia de Laurence Olivier se lê que Maggie Smith, um dia em que Olivier como Otelo se excedeu a si próprio, foi cumprimentá-lo nos bastidores, e encontrou Olivier perplexo com o que tinha interpretado.
    Vejo alguns minutos de entrevista com Anthony Hopkins, que está na moda, como o canibal de Jodie Foster, com Oscar, etc., e Howards End, o novo filme de Ivory e Merchant. O entrevistador Charles Ramplin lhe pergunta como Jonathan Demme o dirigiu no canibal. Sem se dar conta de que estava entregando a rapadura. Hopkins respondeu que haviam lido o texto, ele o decorou, assestaram a câmera e filmaram. Só um ingênuo cinéfilo pode achar que um vulgar diretorzinho americano de cinema como Demme vai dirigir um ator importante, inglês, como Hopkins.
    (...) No nosso Cultura um artigo de Gloria Steinem em que fala das mentiras de Amadeus, o filme, porque omite uma irmã de Mozart, que era também prodígio. E no filme Os Eleitos se queixa de que não foram citadas as 25 mulheres que participaram pau a pau do treinamento dos astronautas; que foi chauvinismo, presume-se, que enviaram John Glenn no primeiro vôo orbital da Terra e, por machismo também, mandaram Armstrong e Cia., à Lua. Quando podiam ter despachado a deliciosa (foto no Cultura) Sally Ride. Quem não gostaria de passar meses com Sally Ride numa cápsula espacial? O iletrado se entrega logo. Steinem cita Amadeus, que é, afinal, uma peça filmada de Peter Schaffer, e não uma história da vida de Mozart, e cita o filme Os Eleitos e não o livro em que foi inspirado, de Tom Wolfe. O iletrado não lê o livro, vê o filme. O iletrado também se enrasca em setores que ideólogos cultos evitam. É certamente motivo de encabulamento para feministas mais atiladas que pelo menos desde o século 18 até a 2º Guerra em 1945, que moças da classe média para cima fossem levadas a estudar piano, para tocá-lo, como prendas domésticas... E, no entanto, nos dedos de uma mão se contam pianistas como Clara Schumann ou Marie Casadesus, e aquela moça que entra por cortesia no grupo dos 5, tornando-os 6, e que mais? Virtuosos homens há aos milhares.

    (OESP, 05/04/92) - Londres - Jantando no Perigord outra noite me dou conta que uma mulher na mesa ao lado me é familiar, seus traços me evocam memórias. É a filha do Ali Khan com Rita Hayworth, mas é ocidentalíssima, beirando os 40. (...) Admiro Yasmin, aqui a meu lado, gostaria de cumprimentá-la se não fosse cafona, porque recolheu a mãe da sarjeta, bebendo de cair, e depois se diagnosticou que tinha doença de Alzheimer, em que a vítima esquece tudo. Yasmin alojou Rita no seu apartamento em Nova York e lhe propiciou cuidados até que trocasse as fichas, morresse. Uma mulher bonita, explorada parte da vida por um cafifa, sempre procurando um grande homem que a amasse e protegesse, como Orson Welles, com quem se casou mas a quem entediou. Ali, que era mais chegado a um harém. Rita só me pareceu feliz uma vez, dançando com Freud Astaire, num filme. Ela era isso, dançarina. Margarita Cansino, com pico de viúva na testa, que o monstruoso Harry Cohn, da Columbia, quis transformar em beldade ocidental. Melhor ficasse dançando com Freud. Ela está tão contente que dá dó.

    (OESP, 16/04/92) - Hollywood por Altman. Fiz o meu Festival Gene Tierney, na televisão, vendo Laura e O Fio da Navalha, em seguida. Não pode haver mulher mais chique e atraente. E, surpresa, se em Laura ela é um delicioso objeto de consumo, em Fio representa bem a Isabel que Somerset Maugham escreveu, sua melhor personagem mulher, acho eu, e é quem merecia um Oscar e não Anne Baxter, bem, mais convencional como desesperada. Gene Tierney sugere toda a espécie de nuance de comportamento. Nas outras vezes não reparei porque fiquei imaginando outras coisas... Saí de Nova York antes da estréia de The Player, de Robert Altman, elogiadíssimo, como a sátira definitiva sobre Hollywood. Vejo na volta, mas, qual, é, com certeza bobagem. A imagem intelectual de Hollywood, de que produtores gananciosos fazem qualquer tipo de safardanagem para faturar, e no filme de Altman, leio, um mata um escritor, é perfeita, só que nada tem a ver com Hollywood. As lamúrias que ouvimos desde a década dos 30, em que o cinema ficou falado e precisou contratar escritores, não têm fundamento. Faulkner, que nunca tinha ido ao cinema, foi levado a uma cabine por um assessor de produtor e minutos depois, saiu dizendo "Jesus, it ain’t possible". Fitzgerald nunca teve um script representado. Recebeu veto do qualificado e famoso Joseph L. Mankiewicz.
    Todas essas histórias pressupõem que Hollywood seja um centro de artes. Mas não é, nunca foi, ou pretendeu ser. Os homens que a criaram queriam produzir entretenimento popular e não se equiparar a Flow Bert, como chama Flaubert o presidente da Warner, Steve Ross. Quando Irving Thalberg reduziu a duas horas as nove horas de Greed, de Von Stroheim, estava certo de que público algum agüenta um filme dramático de nove horas. Syberberg é para uma elite, na maioria de pseudos... Grande público exige concessões à simplificação e sentimentalismo. Um filme como Barton Fink, erudito, cheio de alusões literárias e cinematográficas, não narrativo, com três ou quatro epifanias de primeira classe, encalha na bilheteria. Inútil ir por aí... Altman é um bom exemplo. Seu grande sucesso, M.A.S.H., era divertidíssimo. Mas não era de jeito algum o que pretendia ser, uma sátira à guerra do Vietnã, em 1970. Primeiro, mudaram para guerra da Coréia de que militares e puritanos são achincalhados e jorra sangue, em momento algum nos sentimos comovidos ou indignados com a guerra, tão entretidos estamos com a farra extraordinária de Elliot Gould ou Donald Sutherland, ou Sally Kellerman e Robert Duvall. Altman resolveu ir para valer em Nashville, mostrar toda a miséria do jeca americano, ansioso por glória, a anomia da sociedade do país e a agressão que se esconde por trás dos bons modos dos humildes. O assassinato da cantora famosa, no final, por um joão-ninguém, é uma metáfora clara do assassinato de John Kennedy por Lee Harvey Oswald. Os críticos se babaram. Todos. Jornalistas políticos mil, de esquerda, ou liberais, escreveram encômios sem fim à obra-prima. Fracassou na bilheteria, porque sem o sentimentalismo barato e simplificação necessário de emoções, mal X bem, etc., a que a patuléia está acostumada.
    Laura é ridículo. O amor de Gene Tierney por Dana Andrews é inacreditável, como é ridículo o misticismo (orquestra a toda) de Tyrone Power, em Fio, mas nos intervalos Otto Preminger, um diretor subestimado, em Laura, põe necrofilia, lesbianismo e inversão paranóide convertida em agressão assassina, no drama barato de Vera Caspary. E, no Fio, graças a Maugham, temos, à parte a falta de realidade da personagem de Power, um bom retrato da alta sociedade americana, internacional, entre as guerras. Os mestres em misturar o barato com o criador são Renoir, Buñuel e Hitchcock. Vi um rabo de The Lady Vanishes, o thriller de Hitchcock que Truffaut disse ver uma vez por ano. Totalmente furado como lógica, mas excelente fantasia de entretenimento. Divertimento para as massas. Há bom e ruim, por certo. Mas arte, apesar do slogan do leão da Metro, arte por amor da arte, não há, ou muito acidental e fugazmente.

    (OESP, 19/04/92) - Nova York - A BBC vai fazer um show do péssimo romance de D. H. Laurence, O Amante de Lady Chatterley, dirigido pelo insano Ken Russell. Como se joga dinheiro fora nas estatais. Imagine então se o Labour ganhasse.
    O "ao vivo" sexual está na moda. Um filme bonito e totalmente idiota, que vi em Nova York, Final Analisys, com Richard Gere, uma Thurman e Kim Bassinger e que estão dando aqui também, Gere e Bassinger fazem amor à vera. Discuti o assunto com gente que viu e não há maneira de não ser.
    Sem falar da imensa apelação que é Cape Fear, uma desgraça para a raça humana (em inglês, rima), como escreveu Terence Rafferty, no New Yorker, e pichadíssimo também aqui.

    (OESP, 30/04/92) - Nova York - Sombras e Nevoeiro, de Woody Allen, é chato, mas não irritante. Filmado todo num estúdio em Nova York, é a história, se pode usar a palavra, de Kleinman, Allen, que quer dizer "homem pequeno", um auxiliar de escritório num país da Europa Central, entre as duas guerras mundiais, às voltas com um assassino que estrangula todos os homens que vê. Allen é humilhado pelo patrão, não consegue nada com sua companheira, Mia Farrow, e nega fogo num bordel, quando vai para a cama com Jodie Foster (linda de morrer). O filme é não narrativo. Há cenas que mais ou menos se relacionam, cheias de atores conhecidos que às vezes não reconheci, como a excelente Kate Nelligan, que aparece atrás de uma janela, negando abrigo a Mia Farrow, mas está tão no escuro que só vi que era ela quando li o nome dos atores. Em The Player, dirigido por Robert Altman, aparecem 65 celebridades, mas identificadas ao menos. Não saí do filme de Allen aborrecido, talvez pelo sabor do magnífico preto-e-branco de Carlo di Palma, e seu cameramen (e de Bertolucci). É uma experiência voluptuosa hoje em dia ver um filme em preto-e-branco, mas ao chegar em casa rodando o remoto vi anunciadas as comédias de Woody Allen, desde Bananas, Leve and Death, Sleeper, Everything You Wanted to Know About Sex and Was Afraid to Ask, e, mais, todas a ser exibidas em cabo. E davam prazer e dinheiro. Agora Allen, que ganha US$ 1 milhão por filme, vai de fracasso em fracasso. Se não fatura em Nova York, no resto do país é ignorado. Havia umas 40 pessoas no cinema em que vi Sombras e Nevoeiros. Nova paixão de Allen é a música de Kurt Weill, velha, velha.
    Madonna aparece querendo dar para John Malkovich e devo dizer que me pareceu atraente, o que mostra que Allen não perdeu sua mágica de diretor...

    (OESP, 10/05/92) - Nova York - La dolce vita. Dá para um discreto hedonismo, como aquela viúva de The Importance of Being Earnest que, segundo Lady Bracknell, morto o marido, passou a viver para o prazer. A semana passada tivemos todos os clássicos de Woody Allen em TV de cabo - não dublados... - de Bananas a Annie Hall. Vi Love and Death rindo baixinho sem parar do princípio ao fim. Vi também em TV estéreo Cosi Fan Tutte, com Lars Tibell, Magnus Linden, Maria Hoeglind e Ulla Severin. Não conhecia nenhum. Duas horas e meia de deleite e uma epifania na ária de Fiordiligi Per Pietá. Vocês devem ter lido que executivos de Hollywood adoraram a sátira que Altman lhes fez em The Player. Não é sátira. É o elogio irônico da sordidez baixeza, sentimentalismo (e artisticamente, ainda que o filme ressuscite nas seqüências finais, vive um período de inércia criadora, no miolo). Os críticos não dizem porque, afinal, seus empregos dependem de que cinema seja levado a sério. Todas aquelas cadeiras em universidades, waaal, é um racket, coisa de bandido, como qualquer outra. Comentarei, mas antes um filme "importante"...

    (OESP, 10/05/92) - Nova York - Mulheres fatais. É difícil prestar atenção a Instinto Básico, o filme pornográfico de grande sucesso, e depois de contemplar as mulheres muito atraentes, Sharon Stone, Jeane Tripplehorn (devia mudar o nome, que quer dizer corneta tripla) e Leilani Sarelle e nossa velha amiga, Dorothy Malone, velhinha e encantadora, eu que a vi um pitéu em The Big Sleep, com Humphrey Bogart; é impossível levar a sério a trama urdida (epa 0 por um certo Joe Ezsterhas, ao custo de US$ 3 milhões o script, e dirigida por um cavalheiro chamado Paul Verhoeven. Não há amor, carinho ou civilidade no filme. Não se pode viver assim... Três das moças principais são bissexuais. Como são ferozes, e uma é assassina, provocaram passeatas de invertidos em várias cidades, o que só fez fazer publicidade para o filme. Conclui logo, sem prova alguma, que a mais bonita era a assassina. Não estou entregando quem é, porque raramente encontro alguém que concorde comigo nesse troço de beleza. O filme é sobre uma mulher que, waaal, faz amor com homens, amarra suas mãos na cama e lhes enfia um cortador de gelo. Se suspeita muito de Sharon Stone, riquíssima, herdeira de US$ 110 milhões, e romancista popularesca, que descreve nos seus livros os assassinatos. Michael Douglas investiga e se enrabicha por Sharon. Fazem que fazem, ou fazem mesmo. Sharon deu entrevistas que teve diversos orgasmos com Douglas. Em Final Analysis, com Richard Gere e Kim Basinger, há uma cena em que não vejo como estejam de brincadeira, pela posição dos dois, mas, enfim, que sei eu.

    (OESP, 17/05/92) - Nova York - Vida Moderna. Às 10h10 da noite dia 13, Farrah Fawcett, anoréxica, pele e osso, se entregou sexualmente a A. Matinez, americano escrachado e branco apenas por honra da firma. A miscigenação é um acontecimento cultural no horário nobre americano de TV...
    Lamentável a morte de Nestor Almendros, o fotógrafo de Sophie’s Choice, As Duas Inglesas e o Continente e Adele H., entre outros. Aluguei o filme dele sobre Cuba, Conduta Imprópria. Nossos festivos devem ignorar ou atribuí-lo à CIA. Mas não há como negar, gente privilegiada pelo sistema, como Heberto Padilha, Armando Valladares e Cabrera Infante, amigos de Fidel, não agüentaram e se mandaram. Cuba é um Estado policial compacto. Fidel é popular, sem dúvida. Quem foi que disse que "Não conheço súdito de um déspota que não lamba suas correntes"? Aparece jogando basquetebol com jovens. Tem um sorriso de menino. Uma sinceridade transparente. Jura que ninguém é torturado em Cuba. Mas Sartre teve de interferir pessoalmente para soltar Padilha. E outros intelectuais e, principalmente, Mitterrand soltaram Valladares, que comeu o pão que o diabo amassou.

    (OESP, 17/05/92) - Nova York - O Jogador. Robert Altman se diverte com seu último filme, O Jogador (The Player), não deve ser traduzido para "intérprete", porque é um jogo mortal o que Tim Robbins, o executivo de cinema, com o nome pseudo de Griffin Mill, vive (deveria ser judeu, mas o escrito, Michael Tolkin, põe judeus, Livinson e Levy, na luta pelo poder. Se redime). Griffin mata um escritor, David Kahane, porque pensa que está lhe mandando cartões postais ameaçadores. Mudanças do livro (que li, rápido, prosa direta mas não brilhante, meio árida e monótona, Random House, 193 págs., paper, US$ 10). Griffin no filme guia um jipe. Só no final troca por Rolls Royce, quando se corrompe de vez. Truque besta de Altman. No livro, Griffin guia sempre uma Mercedes. No livro, os policiais são um homem e uma mulher. No filme, a detetive é Whoopi Goldberg e a cantora de música jeca Cynthia Stevenson. Mas Whoopi é hilariante, com problemas de onde botou seu tampon quando está incomodada. Os críticos dizem que o filme é uma sátira à carência intelectual do cinema. Nada disso. Altman aceita gostosamente que cinema tem de ser um porcaria acessível à massa. No livro, Tolkin faz Griffin pensar "Eu sou a platéia, eu amo a platéia". Se o filme for bom, como Chinatown, Griffin e Levy ficam muito satisfeitos. Mas agora, o decisivo, a bottom line, como dizem aqui, é que dê dinheiro. O filme termina com Griffin, escapando da polícia e mantendo o seu emprego (que só umas 20 pessoas no mundo exercem, diz, orgulhosamente, no livro), morando numa zona em que só moradores podem entrar, num baita Rolls Royce e indo ao encontro da baita barriga de Greta Scachi, mulher que tomou de Kahane. A impressão que tive é que Altman se reconciliou com Hollywood. Tim Robbins é a cara de Orson Welles, em 1940. Ninguém notou. Será acaso ou intencional? Robbins é casado com Susan Sarando,. Casou com mamãe, o sonho de todo homem, como diria Jocasta

    (OESP, 21/05/92) - Nova York - Broocke Shields está um doce de coco em Brenda Starr, uma gracinha em todos os sentidos. Sim, não é atriz e o filme é uma porcaria, mas que importância tem isso em se privando da companhia da Pretty Baby por hora e meia no escuro. A vida no século 20 só será palatável com um sonho, escreveu o poeta Hugo Vom Hoffmansthal.

    (OESP, 24/05/92) - Nova York - Parece que Jean Gabin, quando teve seu caso com Marlene Dietrich, batia nela. Mas pancada de amor não dói. John Wayne foi outro. Estranho. Pensei que só gostasse de mexicanas. Mas de americana não gostava. É óbvio que Marlene gostava de tipos másculos, o que inclui mulheres, a lendária Mercede Acosta, um botinaço, e, no entanto, Marlene casou uma vez só com o apagado Rudi, de quem teve uma filha e cuja morte, do marido, consolou anos atrás, lhe segurando as mãos. Marlene não é assunto para imprensa, pede um grande romancista.

    (OESP, 31/05/92) - Nova York - Mulher grande. Alien 3, com Sigourney Weaver. Brrrr... Desta vez o cultuado James Cameron não quis dirigir e aquela barata gigante, o monstro, está cada vez mais nojenta e inverossível, assim como a machice de Sigourney não convenceria a um pinto. Ela é dulcíssima, e fica bem quando nos mostra o colo, maravilhoso, no detestável The Year of Living Dangerously. Nesses aliens velhos, será que ninguém disse antes de mim? O sucesso veio do Alien 1, quando Sigourney fica sozinha no final, com uma criança, e tira quase toda a roupa, nos dando um relance celestial de sua forma em calcinhas. Não havia outro motivo para se ver o filme. Sigourney fala de semelhança da personagem dela, uma fantasia de mulher-macho, a la Rambo, com Antígona e Lisistrata. (...) Sigourney apareceu queixosa na ABC-TV, mal filmada, com uma pele ruim e pouco à vontade. Me pergunto se há um complô da ABC para destruir estrelas de Hollywood. Outro dia entrevistaram Michelle Pfeiffer e parecia uma mulher do cais do porto. Sigourney, arrumadíssima, imensa, fica esquisita sob as luzes intensas da TV, mais fortes que as de cinema, exige uma certa cancha enfrentá-las. Sigourney diz que os Aliens renderam mais de US$ 400 milhões no mundo, mas, se o 3 fracassar, ela será responsabilizada. Queixa-se de que as mulheres são subpagas em Hollywood. Diz que em Frankie and Johnnie, Al Pacino ganhou US$ 3 milhões. Pobres proletários. É o caso de se pensar numa revolução social... Os dois juntos não valem US$ 50 mil.
    Quando penso que o salário de Michael Douglas em Basic Instinct, um pornô de luxo, é US$ 14 milhões mais percentual sobre o bruto, enquanto Howards End, uma versão (um tanto adocicada) de E. M. Forster custou ao todo US$ 8 milhões, com estrelas como Vanessa Redgrave, Emma Thompson e Anthony Hopkins, que fariam picadinho de Michelle Pfeiffer, Al Pacino e Sigourney, só resta lembrar, como disse John Kennedy, que a vida é injusta. Sigourney, Susan, como toda mulher grande, quando garota deve ter sido humilhada pelas suas amiguinhas e quando adolescente poucos homens a tiravam para dançar, mas apesar disso, é um taco, ainda que seu queixo me lembre o do meu pranteado amigo Ronikito. Sigourney, diria dela o anão da piada, "é tudo meu, é tudo meu", mas neca de conversa a sério sobre cinema. Os homens são mais bem pagos porque são bilheteria. Nenhuma mulher é, no momento. O motivo é simples. Todas são politicamente corretas, representam papéis de mulheres-macho que fazem, acontecem como qualquer Rambo. Waaal, o sonho das mulheres de si próprias não é esse, sonho encarnado nas modelos de qualquer revista sofisticada de modas. Mulheres querem ser fêmeas, na maioria. Simples.
    (...) O melhor show da cidade é The Player, o filme de Robert Altman, com Tim Robbins, também diretor, que teve um filme mostrado em Cannes, onde Gore Vidal aparece. Quem sabe o cinema voltará a ser divertido com essa nova geração? Robbins tem 33 anos, a idade de Cristo.

    (OESP, 04/06/92) - Londres - No mesmo Spectador, Sheridan Morley, filho do ator Robert Morley, ainda vivo (Robert) e em quem Ivan Lessa passa trotes sutis em Londres. Sheridan, biógrafo de Noel Coward e da própria Marlene, conta que quando tinha 9 anos, em 1949, e ficou em Hollywood com sua avó Gladys Cooper (uma grande atriz no seu tempo. Fez todos os papéis importantes de mulher nas peças de Somerset Maugham e é a irmã de Laurence Olivier em Rebecca e a mãe de Rex Harrison, em My Fair Lady), Marlene visitava para conversar e logo começava a lavar pratos e a passar aspirador de pó na casa, sem que ninguém lhe pedisse nada.
    Dizem que a mulher alemã tem obsessão por casa, criança e cozinha, palavras que em alemão começam com "K".

    (OESP, 04/06/92) - Brasil - EUA - Não vi menção do assunto no Brasil, ou, de volta, na mídia dos EUA. A notícia, que deve ter sido dada, no dia, rapidamente, foi enterrada por editores. O papalvo Oliver Stone, de JFK, o filme, que assegurou urbi et orbi que o post-mortem de 1963 era parte e parcela da "conspiração" contra o príncipe encantado, não abriu a boca. Não acredito em conspiração dos editores, no sentido mais vulgar da palavra, mas há um entendimento tácito entre eles de que manter dúvidas sobre a autoria do crime por Harvery Lee Oswald, medíocre, fracassado em tudo, até em satisfazer sexualmente a então (1963) bela Marina, "vende". O grande público adora "forças ocultas", que refletem sua própria perplexidade diante da vida. Afinal, uma maioria no Brasil ainda acredita que Tancredo foi envenenado criminosamente, quando morreu de "médico".

    (O Globo, 04/06/92) - Londres - Roger Falk, em carta ao "Spectator", conta que 20 anos atrás foi convidado para um jantar com três pessoas no apartamento de Marlene Dietrich, em Paris. Achava Marlene a mulher mais sensual e chique do mundo. Mas ela apareceu para os convidados de calças compridas e blusa comum, servindo champagne e canapés compulsivamente, não participando da conversa, exceto domesticamente, isto é, perguntando o que eles queriam e lhes oferecendo isso e aquilo. O jantar foi excelente, escreve Falk, mas, mais uma vez, Marlene parecia a cozinheira-garçonete (palavra, por sinal, de invenção brasileira), interessada apenas em que seus três convidados estivessem gostando da comida. Foi um custo fazê-la sentar-se com os outros e conversar normalmente.

    (O Globo, 12/06/92) - Nova York - Comprei o filme só porque tem Ginny Simms cantando, a grande Ginny, omitida do Dicionário de Música Popular da Oxford, para infâmia eterna dos seus editores. Ginny canta " You’re the top/ You’re Mahatma Gandhi..." Como Gandhi foi assassinado em 1948, essa frase foi omitida em respeito ao velho faquir seminu, como o chamava Winston Churchill. Ginny borbulha. As cantoras de hoje não borbulham como as de ontem. E comprei "Odd man out", que, em algumas tomadas de James Mason, abandonado pelos irmãos irlandeses, perseguido pela polícia baleado, sangrando à morte, foi o maior impacto que tive na juventude em cinema. Comprei também "The conversation", de Francis Ford Coppola, com Gene Hackman, o filme mais cinematográfico de Coppola.

    (OESP, 25/06/92) - Nova York - É da pontinha o último Harrison Ford, Patriot Games, esplendidamente fotografado por Donald MacAlpine, criando um mundo à parte com a direção de arte, o desenho da produção, talvez cinema só possa ser isso, sobreviva como grama onde o asfalto monótono e previsível permite que cresça. A história idiota. De um romance de Tom Clancy, que é iletrado e tem total incompreensão do que seja política, para adultos. Mas Tom bajula tanto a CIA que a Agência, tão malvista em geral (ler John le Carré, por exemplo), foi generosa e deu ao filme vista de alguns de seus mais intrincados segredos tecnológicos. Se sabia que a CIA tinha satélites que fotografavam a placa do carro de Brejnev e ouvia a conversa dos líderes russos no interir do automóvel. Eles sabiam também e, impotentes para impedir a espionagem, só falavam de futilidades.
    Em Patriot Games vemos o que parece ser um bastão fino penetrar uma sala, filmar e gravar tudo que nela acontece. Um satélite alcança o Norte da África, onde há um campo de treinamento terrorista, e quando os helicópteros atacam o campo, um computador ligado ao satélite coreógrafa para nós o que está acontecendo. É como a guerra do Golfo, de que só vimos abstrações aerodinâmicas. Esses troços nos fazem esquecer que Harrison Ford, bonito, forte, gênio, pai e marido amantíssimo, a mulher é Anne, que, em Fatal Attraction, enfrentou Glenn Close, que põe qualquer terrorista no chinelo; Ford é da CIA e Academia Naval, o herói protótipo de Clancy. Em Londres, se vê envolvido num atentado, presumivelmente do IRA. Exército Revolucionário Irlandês. Depois ficamos sabendo que é um grupo dissidente (não existe). Ford entra na briga e mata um, logo o irmãozinho de um terrorista patológico, Sean Miller, interpretado bem por Sean Bean. Miller jura vingança. O filme é o duelo de faroeste entre Ford e Bean, carregado de tecnologia extraordinária e a besteira humana habitual.
    Ainda assim, é o único filme em Nova York em que as personagens têm alguma conseqüência na vida. Os demais todos são sobre o zé-povinho, suas tristezas e alegrias pequitinhas. Revejo em TV o fajuto La Notte ((1961), de Antonioni, em que todo mundo é rico, bem-sucedido e desesperado, e apesar de ser "phoney-baloney", me pareceu até sério.
    (...) Whoopi Morley - Whoopi Goldberg é radical sobre Ross Perot: "Se for eleito, saio do país". Seria bem-vinda onde houver humor: E quando dei uma nota sobre o ator Robert Morley, dias depois ele trocou as fichas, aos 84 anos. Sentiremos sua falta, de seus olhos arregalados, do seu humor seco e incisivo. Lembro a primeira vez que vi, garoto, Morley, como Luis XVI, no filme de Norma Shearer Marie Antoinette. Era inesquecível, em sua perplexidade, e Luiz XVI é fácil de levar à caricatura (comeu dois frangos durante o seu julgamento), mas Morley o manteve digno e infeliz. Adeus.

    (OESP, 28/06/92) - Nova York - La coiffeuse, traduzida aqui, lusitanamente, para O Marido da Cabeleira, é a história de um garoto fetichista, que tem poluções quando criança vendo uma cabeleireira gorda, em ação. Até quando a mulher morre ele se sente excitado. Adulto, se casa com uma cabeleireira (Anna Galiena) e passa a viver em função da profissão da mulher e do seu salão. O ator é Jean Rochefort, ok. O filme é um sub-Eric Rohmer. E acaba mal. A ninguém é permitido preservar suas ilusões no pseudomodernismo do cinema de hoje. O diretor é Patrice Leconte, que fez um filme interessante, em 1990, Monsieur Hire, tirado de uma história de Simenon. Há três seqüências engraçadas em Os Playboys: Aidan Quinn, um ator mambembe, senta Robin Wright, mãe solteira, com o bebê, num burrico... Buñuel iria até o fim. Aidan Quinn, como Rhett Butler, e Milos O’Shea, como Mammie, numa "versão de ... E o Vento Levou; e hora lá os mambembes fazem espiritismo e curam uma cega de verdade. Edir!!! Pauline Kael, crítica de cinema, conta que nos anos 60 lhe perguntavam "E você ainda paga para ver os filmes?" A partir dos 70, perguntavam "E você tem de ver os filmes?"

    (O Globo, 09/07/92) - Nova York - Batman desabou 44% de bilheteria na segunda semana. Michelle Pfeiffer vai ser responsabilizada se o filme fracassar. Era a grande atração como mulher gata (pfui); breguérrima em pessoa, arrumada por um diretor, atrai muita gente. A isca do primeiro filme era Jack Nicholson. Batman 1 rendeu US$ 406 milhões no mundo inteiro.

    (O Globo, 16/07/92) - Nova York - Vou ao Hotel Mark, luxuoso, 67 e Madison. Boca-livre da Universal. De champanhe a salmão, a camarão, tudo, tudo (superfatura para o Imposto de Renda). Levam a gente a ver "Ela fica bem morta" ("Death becomes her"), com Meryl Streep, Goldie Hawn e Bruce Willis. Os salários dos três dariam para recuperar a zona devastada de Los Angeles. Meryl e Goldie são duas harpias obcecadas por Bruce, para usá-lo, e não querem ficar velhas. Isabela Rosselini, de bumbum de fora, lindo, lhes dá um elixir da juventude. Bruce prefere a morte a viver eternamente com elas. Amém. Os japoneses vão terminar leiloando Hollywood. Não dá mais. Eu deveria ter feito uma boquinha no Mark, mas não gosto de comer em pé.
    Na última "Vanity Fair", despedida da editora Tina Brown, Demi Moore está belíssima e um deleite sexual. O pretexto é mostrá-la mãe de dois bebês, de Bruce Willis, repete-se a foto de Demi grávida de oito meses e de calcinhas (sádicos sonham em ser Pelés enfrentando aquela barriga). Mas Demi não é atriz ou estrela. Ser estrela é mais importante, em Hollywood. O que é ser estrela? É ter um sex-appeal de uma certa qualidade que às vezes exclui a beleza; é mais ou menos inexplicável. Demi é apagada numa tela. Em pessoa, deve ser uma graça. É jeca, mas isso é curável. A falta de carisma, não.

    (O Globo, 23/07/92) - Nova York - Vi trechos outro dia do celebrado "Napoleon", de Abel Gance. Bobagem. Quando Gance apresenta Napoleão colegial, pensativo e distante dos colegas, não estava sonhando sua futura carreira, mas se masturbando, sabemos hoje em dia.
    Mas o filme me deu a chance de ver em pessoa Antonin Artaud, o pai do chamado Teatro da Crueldade, que teve sua voga nos anos 60. Artaud, jovem, bem apanhado, faz Marat, mas me parece um mau ator.
    (...) Rebecca Rolfe e Daniel Cooper, da universidade Columbia, escrevem no "Times" que Danny DeVito, o rei dos pingüins, em "Batman 2", representa os judeus, o mal, e Batman, o cristianismo, o bem. Que a música do filme é derivada de Wagner (como a de quase todos os filmes P.F.), e DeVito navegando nos esgotos de Nova York é Lohengrin (como, se é o vilão?). A árvore da Natal, no fim, representa o triunfo do cristianismo. Como não vi Batman 1 e 2, não sei, mas, no escuro, aposto que é baboseira acadêmica.

    (O Globo, 30/07/92) - França - No colo de Greta Garbo. Peter Viertel, bebê, passou bom tempo no colo de Greta Garbo, que não usava roupa de baixo. Estava no paraíso e não sabia. Sua mãe, Salka Viertel, foi umas das amigas mais íntimas de Garbo. Escreveu-lhe quase todos os scripts. Os Viertel (e Garbo, naturalmente) são realeza de Hollywood. Não há livro chato de acadêmico que deixe de citá-los. E imaginem a emoção do jovem Viertel na casa de sua mãe, tomando chá com "Tommy", Thomas, Mann, e mulher, e a empregada chamá-lo ao telefone e com sotaque dizer que alguém chamado Papa queria falar com ele. Papa é Ernest Hemingway, de quem Viertel foi amigo, apesar de Hemingway ter tentado casar com sua primeira mulher, Jegee, e dar a sua primeira filha o nome de Petra, para mostrar sua afeição a Peter...
    Viertel ouviu de Hemingway a história do pipiu de Scott Fitzgerald, que nos parece narrada com tanta malícia em "Paris is a moveable feast", as Memórias de Hemingway. Scott contou que Zelda Fitzgerald achava o seu pipiu pequeno e insatisfatório. Hemingway e Fitzgerald foram examinar o dito-cujo e Hemingway concluiu que era de tamanho normal. Como persistissem as dúvidas de Fitzgerald, foram ao Louvre conferir com os dos clássicos. Viertel nos assegura que o tom de Hemingway era da maior simpatia. E que, à parte insistir em andar sempre em turma, Hemingway, malicioso, malévolo e agressivo, recuava sem ressentimento quando contestado. Que não era mau sujeito.
    Nesse tempo, os homens se orgulhavam de ser homens. Outro amigão de Viertel, John Huston, foi de boxeador a caçador de feras, a alpinista e a jogador de perder as calças e as da família numa noite. Hemingway também adorava caçar. Viertel lembra-se dele com o corpo imerso na água e um rifle na cabeça para caçar uma iguana que foi bolsa por muitos anos de Mary Hemingway.
    Bebia-se muito. Hemingway, quase inacreditavelmente. No fim da noite, no Ritz, ele se fechava no banheiro com duas garrafas de champanhe Perrier-Jouet, para trabalhar sem ser interrompido. Saía de lá sóbrio, as garrafas vazias. Ava Gardner quis dormir literalmente com Viertel, isto é, gostava de repousar ao lado dele.
    Quem foi moço na década dos 1950 não pode perder esse livro, "Dangerous friends", de Peter Viertel, Doubleday, 406 págs, US$ 24,50; ou quem lembra da velha Hollywood, de Darryl Zanuck, Garbo, John Huston, Anatole (Tola) Litvak, Billy Wilder, William Wyler e grande elenco. Viertel é romancista, autor de cinco livros. Nunca li. O mais conhecido é "White hunter, black heart", que foi filmado por Clint Eastwood. Não vi. É um à clef de John Huston, dirigindo African Queen, com Humphrey Bogart e Katharine Hepburn.
    Ah, Paris, anos 50, no Ritz, que foi o único hotel, realmente, antes de ser vendido e virar nouveau. Viertel conta que Jegee e ele compraram uma casa em Santa Mocinha, deserta. É como na minha infância Ipanema deserta. Hoje, é o gridlock, em suma, um carro montado no pára-choque do outro, e uma infernal sujeira. O mundo acabou, de certa forma, nos anos 50. Gigantes como Hemingway e Huston não veremos mais e esse tipo de vida hoje, sob a tirania dos politicamente corretos, é, para dizer o mínimo, temerário. Imaginem a opinião dessas pessoinhas sobre uma tourada, que Hemingway considerava o teste supremo da virilidade, um homem diante de uma fera, com um mínimo de artifício, para compensar a desvantagem física.

    (O Globo, 06/08/92) - Nova York - Ontem fez 30 anos que Marilyn Monroe morreu. Ficaria satisfeita de saber que não é mais ridicularizada como o protótipo da loura burra, ou simples depósitos de óvulos mortos. Há até quem ache que era boa atriz. É tão imitada como Garbo, Marlene e Carmen Miranda, gente muito mais talentosa que ela. Causou pasmo quando Arthur Miller se casou com ela. Não se casa com mulheres como Marilyn. Miller nunca se recuperou. Até hoje não pára de falar da mulher. A grande estrela, o modelo feminino, quando Marilyn morreu, em 1962, era, claro, Elizabeth Taylor, tida como linda, "bem" e muito bem casada (Richard Burton). Ela aparecia, ou os dois, nas capas de todas as revistas. Marilyn se queimava com isso. Só se referiam a ela com "um pedaço de carne". Billy Wilder, que a dirigiu no seu melhor filme, "Quanto mais quente, melhor", ao saber que Marilyn queria fazer Grushenka de Dostoievski, disse sardonicamente "é, e depois teremos a filha de Grushenka, a cadela de Grushenka etc., todas interpretadas por ela". Tony Curts disse que beijá-la era como beijar Adolf Hitler.
    John Huston, que lhe deu a grande chance em "Selva de asfalto", gabou-lhe o rabo. Apenas. Hoje, é venerada. Madonna a imita sem parar. É um protótipo de beleza popular, "massa". Elia Kazan, seu amante, diz que era ninfomaníaca e muito dodói da cabeça. Mas hoje o que ficou foi o mito. Entre o mito e a realidade, diz o editor de "O homem que matou o facínora", publique-se o mito.
    (...) Saudades de Pauline Kael, decana dos críticos de cinema de Nova York, semi-aposentada, com doença de Parkinson. Há rumores de que escreve um livro sobre filmes feitos sob efeito de cocaína. Vai ser enciclopédico. Sinto falta do brio de Pauline. Os críticos de hoje são chochos. O único legível, porque sensato, não se leva nem ao cinema muito a sério e escreve bem, é Vincente Canby, 67, do "Times". Pauline foi entrevistada outro dia por "Mirabella", uma revista feminina, e disse, por exemplo, que "O silêncio dos cordeiros" (inocentes, no Brasil) é bem feito, mas um cocô, embora admire Jonathan Demme, o diretor. Riu de "The player", mas não considera o filme do nível dos melhores de Altman, "Nashville" ou "McCabe & Mrs. Miller". Pauline é contraditória. Foi por exemplo a promotora-mor de Spilberg, que críticos mais convencionais acham que rebaixou o cinema à condição de penico. Mas, ao mesmo tempo, Pauline espinafra a incultura dos cineastas americanos. Chamar "Silêncio" de cocô é contradição. O filme, afinal, é rasteiro, sórdido, incivilizado, advoga o canibalismo, ou seja, tem a desinibição que Pauline quer do cinema (o filme é também mecânico, artificial. Não há uma seqüência de verdade nele). Mas era uma voz interessante no cinema, que ela admite, há muitos anos está moribundo.
    Jesse Jackson disse, na convenção democrata, que a Virgem Maria era mãe solteira. A mídia resolveu poupá-la, não resultando essa blasfêmia asinina. Clinton precisa do voto negro.

    (O Globo, 09/08/92) - Nova York - Vou ver "Sister act", com Whoopi Goldberg e Maggie Smith. Filme dos anos 40, com aquele otimismo, em que tudo se resolve e em que tudo acaba bem. A velhíssima história de uma pessoa de um meio selvagem, Whoopi , amante de um gangster, Harvey Keitel; ela, cantora de sala de espera, tem de se esconder e a polícia arranja um convento como refúgio. É presidido por Maggie Smith. Whoopi subverte as irmãs, ensinando como devem cantar, popularizando os belíssimos hinos cristãos com besteirol de rock. Entra em conflito com Maggie, para quem a vida religiosa é de abandono dos prazeres materiais, da vida comum. Essas duas grandes atrizes, Whoopi e Maggie, poderiam nos dar um conflito titânico, em alguma coisa escrita por Bernanos, digamos. Mas, claro, é um filme de Hollywood, e fica apenas o olhar de Maggie Smith (que nem uma vez cai no cômico), repreendendo o mundanismo de Whoopi, e da própria Whoopi, carnal, a quem Maggie poderia dizer, como São Paulo, "A relação carnal é a morte". Mas o filme, de carregação, me fez rir, pelas duas atrizes. Já passa de US$ 100 milhões a renda...

    (OESP, 13/08/92) - Nova York - Foi como previ, um festival Marilyn, dia 5, da morte da deusa, que misturou mal bola com uca. Uma das minhas enfermeiras no Memorial Hospital me contou que tinha seis anos e estava no cinema, quando o dono apareceu no proscênio e anunciou a morte de Marilyn. Ela, a enfermeira, chorou e sua mãe a levou para casa. Saiu uma nova batelada de livros sobre Marilyn, mas é melhor não comentar. Me lembrei de um artigo, tido como cruel, que Diana Trilling, uma intelectual, escreveu na época. Marilyn tinha 36 anos, em 1962. Mais alguns anos e sofreria uma dolorosa rejeição dos homens que queria, o que para ela era tudo, logo, concluiu Trilling, morreu na hora certa. É cruel? Para quem? De que ponto de vista? Não se quer morrer, claro, mas Marilyn não estava mais em condições de reclamar. E o "mito" de hoje seria impossível de concretizar se ela fosse hoje uma mulher de 66 anos, de cabelos oxigenados e, waaal, o leitor pode imaginar o resto. Marilyn foi uma mulher fatal, à sua revelia. Arthur Miller, o dramaturgo, nunca mais escreveu nada que prestasse depois que se casou e se separou dela. Norman Mailer deixou de ser levado a sério como intelectual, depois de um livro que é um ensaio sobre masturbação, disfarçado em biografia imaginária de Marilyn. Laurence Olivier, que quase a assassinou quando a dirigiu em O Príncipe e a Corista, se surpreendeu ao ver os "rushes", notando que Marilyn parecia mais à vontade e carismática que ele, com sua incomparável técnica. Orson Welles, pouco ante de morrer, respondeu irritado à pergunta por que não há mais estrelas, com "porque não há mais mulheres". Ninguém diria isso nos tempos de Marilyn. Isso ninguém lhe tira.

    (O Globo, 16/08/92) - Nova York - Fui ver "Um estranho entre nós", com Melanie Griffith de detetive investigando um crime numa comunidade judaica religiosa. Waaal, um, a polícia nunca a mandaria, por temer os rabinos, e, dois, Melanie Griffith, no meu caderninho, só serve para uma coisa, com sua voz de bebê, seus seios ampliadas de silicone e jeito de objeto sexual. Para que pretender o contrário? É, mesmo dentro da nova fórmula estúpida das artes populares em que a mulher é capaz de tudo o que o homem faz, Melaine é perseguida sexualmente por dois detetives e faz as trancinhas dos religiosos fremir. Pior é ‘Housesitter’, que poderíamos traduzir para "Daqui não saio", que é, digamos, o tema. Um arquiteto entediado como todos nós, Steve Martin, dorme com uma garçonete, Goldie Hawn, que era uma gracinha, mas perde rapidamente o lustro. Ela resolve ir para a casa de campo dele e se apresentar como madame arquiteto. Todo mundo acredita, ele aparece, fica tonto e, a princípio, colabora com a comédia. Depois, waaal, vai passar aí. Esse filme raspa a realidade, no sentido de que tantas vezes na vida nos vemos em situações embaraçosas de que não parece haver saída. Martin é um bom ator. Goldie era uma gracinha.
    Vi outro dia na televisão "The killers", segunda versão, "Os assassinos", que, em 1946, estreou Burt Lancaster enfrentando uma Ava Gardner belíssima como mulher fatal, e Albert Dekker como vilão. Os primeiros minutos desse filme, dirigido por Robert Siodmak, são uma representação precisa do conto curto de Hemingway, "The killers": dois assassinos que chegam a uma cidadezinha, aterrorizam o pessoal de uma cafeteria à procura de um sujeito que não aparece, arranjam seu endereço e vão matá-lo. Um jovem na cafeteria (no livro, o próprio Hemingway, como Nick Adams) vai correndo avisar à vítima, Burt Lancaster, que, no entanto, não se move, diz que está cansado de correr. O conto termina assim. É uma pequena obra-prima. No primeiro filme se desenvolve uma história plausível de traição e morte. Um filme noir. Na segunda, a única diversão é ver Ronald Reagan como o vilão, seu único papel de mau na vida, que eu saiba. Angie Dickinson é tão boa pessoa que ninguém acredita que seja mulher fatal. Lee Marvin a tortura sadicamente. Já estávamos na década de 1960, quando todas as regras cessaram e começou o vale-tudo pornográfico que hoje é quase absoluto, alternado com filmes para crianças. Cruz-credo. Reagan está muito pouco à vontade como vilão. Nasceu para galã e ídolo. Waaal...

    (O Globo, 16/08/92) - Itália - Vi outro dia "Arroz amargo" na televisão. É de 1949 e foi um dos primeiros filmes italianos a correr mundo, em parte pela beleza estonteante de Silvana Mangano, que, depois, desistiu de ser atriz e se tornou mulher de Dino de Laurentiis e matrona da sociedade romana. Apareceu em pequenos papéis de prestígio em "Morte em Veneza" (mãe de Tadzio) e "Olhos negros", em que é a mulher de Marcelo Mastroiani. Morreu recentemente. Uma das belas mulheres do cinema. Mas o filme "vendeu" porque, apesar da trucagem pobre, das interpretações amadorísticas, tinha autenticidade, mostrando as mulheres trabalhando em campos de arroz, ganhando duramente a vida no pós-guerra de 1945. O cinema brasileiro falhou porque não conseguiu essa autenticidade, a não ser ocasionalmente como em "Deus e o diabo na terra do sol". E, no entanto, nossa terra é tão "pitoresca" quanto a Itália. Pensem num filme sobre a carreira de Zélia. Literal, sem carregar em nada. Os fatos, madame, como dizia o detetive. Seria uma comédia imortal. No final se poria o final da marchinha "Se você fosse sincera, óóóóó Aurora... Ganhou neném também, cuen, cuen, cuen, cuen.

    (O Globo, 27/08/92) - Nova York - Esse teu olhar. "Troquei por duas com metade da tua idade", diz o marido de meia-idade ao se separar da mulher de muitos anos, e ela, infelizmente, teria de trocar o verbo inicial, ao responder, se é que tem dinheiro para isso. Essa história de Woody Allen é tão velha quanto Adão e Eva, só não ocorrendo no paraíso porque Eva monopolizava seu sexo. Woody Allen sempre quis fazer um filme de Ingmar Bergman. Não conseguiu. Mas está vivendo um... Desde dezembro Mia tenta recuperá-lo e afastá-lo da pobre Soon-Yi, que sempre que vejo imagino me perguntando o que vou tomar. Adeptos extremados da psicobaboseira em voga, Woody e Mia devem ter passado noites em claro discutindo a separação, na esperança vã de uma solução, que sempre há na terapia da psicobaboseira. Freud escreveu que o ser humano tem um cerne biológico selvagem, irredutível, irreformável, incivilizado. A maioria de nós o reconhece quando, como dizemos, "perdemos a cabeça", mas é só. A psicobaboseira nega a selvageria essencial que Freud notou e afirma que se pode condicionar a felicidade perfeita na relação entre seres humanos.
    Se pode não. Mia, tentando reter Woody, espancava de cadeira e bota (sic), de deixar preta e roxa a pobre Soon-Yi e cortou-lhe a mensalidade universitária e outras (repostas por Woody). Nele próprio deve ter acontecido aquela espontaneidade que sempre procurou como artista. A sexualidade masculina é a mais complexa, porque pode ser dissociada totalmente da emoção, coisa que entre as mulheres só as "grandes horizontais" parecem conseguir (mas todas on the record falam de sentimentos e sensações, surpreendentes...).Talvez eu esteja desatualizado, mas não creio. E o homem é suscetível a fetiches. Machado de Assis é mestre em descrever aquele olhar, aqueles braços, e nós sabemos da menopausa masculina, em que a carne jovem, la fleur de chair, na frase de Verlaine, adquire um poder hipnótico sobre os coroas decadentes. Que vida social poderá Woody ter com Spoon-Yi? Nenhuma. Mia ficou mais bonita mais velha, é sexy, chique, experiente, soignèe. Sua fúria irracional contra Woody e Soon-Yi é da sua idade, mas afinal ela quase matou Dory Previn quando lhe roubou o marido, André. C’la guerre. Que Woody Allen tenha abusado sexualmente de sua filha adotiva, Dylan, de 7 anos, é tão crível quanto PC Farias ser honesto. No mais, é um filme de Bergman da fase de "Morangos silvestres".

    (O Globo, 30/08/92) - Nova York - Vou ver "Christopher Columbus, the Discovery", um filme sobre o homem que botou o ovo em pé na mesa cortando-lhe uma das bases ovais. Fácil, mas por que seu tataravô não pensou nisso? De rolar de rir é Marlon Brando como Torquemada, pesando 300 quilos, dando sorrisinhos de cocotte sempre que alguém diz, por exemplo, que a Terra é redonda; é esse filme, seja como for a Terra, é muito chato. Brando faz uma ponta. Cobrou US$ 5 milhões e, depois, exigiu que tirassem (sem conseguir) seu nome dos créditos, porque o filme não ataca o grande Colombo como genocida, escravocrata etc. Colombo é George Corraface, um desses rapazes que fazem carreira no cinema (e na televisão) por algum tempo porque encontram um senhor que os ajuda. O rei Fernando é Tom Selleck, que sempre me pareceu de plástico, talvez um robô. Isabel é Rachael Ward, modelo, que exibe com dificuldade as roupas da rainha, porque pesadíssimas, naquele tempo. O filme evita controvérsias e termina quando Colombo avista terra. Outro Colombo à vista, mas tem atores, ao menos, Gérard Depardieu e Sigourney Weaver (Colombo e Isabel). Mas difícil me pegar.
    Um amigo faz a melhor piada sobre o caso Woody Allen: ele seria um excelente ministro do Planejamento.
    Woody varreu Bush e a convenção republicana das capas de "Times" e "Newsweek".

    (O Globo, 03/09/92) - Nova York - Duas mulheres. As duas grandes atrizes internacionais do meu tempo são Jane Fonda e Vanessa Redgrave. Vanessa, que John Osborne nos informa ter o apelido desagradável de "big van", "Perua grande", perua automóvel, caminhonete, continua de sucesso em sucesso. O crítico de arte Jaime Maurício me disse uma vez que certos artistas não se pode sequer elogiar porque não há palavras que lhes façam justiça. Olhando Big Van no papel pequeno que faz em "Howards end" me sinto assim, mudo, inibido, deslumbrado. A simples carga cultural do papel é de uma imensidão ilimitada. E ela, ao contrário de Jane Fonda, é tão boa em teatro. E vive a sua idade. É uma senhora doente em "Howards end". Foi um "avião" de mulher nos anos 60. Como Jane, cuja simples presença em filmes fazia amigos meus solitários chorar de saudade. Se encontraram inteiramente à vontade em "Julia", e dirigi-las, nos disse Fred Zinneman, era como estar ao volante de um Rolls-Rayce, sensíveis e suscetíveis ao mais leve toque. Mas Jane não quer mais trabalhar. É milionária. Quando se separou do pseudo Tom Hayden, a quem sustentou anos, em esquerdismo doidivanas, valia US$ 60 milhões. Agora, casada com Ted Turner, uma escolha estranha, mas caluda, o amor é fou, quanto valerá? Mas mais parece uma personagem daquele filme, "Brazil", em que as mulheres se decompõem e recompõem em operações plásticas, a ponto que parecem uma montanha de gaze e esparadrapo. Mas basta você pôr no VCR "They shoot horses, don’t they?" ("A noite dos desesperados"), que não a reconheci por meia hora de filme, de tão radicalmente intensa, ou, quando, pela primeira vez, experimenta um orgasmo, com Jon Voight, em "Coming home", e tudo fica esquecido e perdoado. E nos limpam as duas a cabeça do desfile interminável de gente sem talentos que nos ataca em toda a mídia.
    (...) Em ‘Howard’s end’ Emma Thompson assina o contrato de casamento com Anthony Hopkins usando a mão esquerda. Naquela época, 1910, nunca. A criança era atormentada até aprender a usar a mão direita.
    (...) Olho ‘Variety’ para ver a renda dos filmes. Mas como está chata, depois de comprada por ingleses. Lembro uma manchete célebre de "Variety", que poderia fazer parte de "Ulisses", ou até de "Finnegan’s wake". "Sticks nix hick pix". Sticks é interior, nix, não, recusa, hick, matuto, pix, filme. Ou seja, "O interior do país recusa filme jeca". De tão comentada, passou aos recordes do livro "Guinness".

    (O Globo, 06/09/92) - Nova York - Fui ver "Storyville", direção de Mark Frost. Muito interessante Charlotte Lewis fazendo uma vietnamita que o pai explora no mercado. Uma palavra perfeitamente respeitável para essas profissionais é "hooker", mas é uma injustiça com a família de um brioso general da guerra civil, Hooker, que estacionado na pecaminosa Nova York, foi chateado à náusea por oficiais e soldados que queriam mulheres. Hooker importou um batalhão de vivandeiras, que passaram a seguir suas tropas para toda parte. Mas o nome Hooker se pespegou nas moças. O ator principal é James Spader, bonito, parece um Robert Redford jovem, sensível. O filme é belíssimo como direção de arte, como fotografia. Não há um pingo de humanidade da primeira à última cena. E a dentadura postiça de Jason Robards me incomoda um pouco. É certinha demais. Ele deveria ir a um bom dentista o que não falta em Hollywood. Dentes perfeitos destroem os melhores filmes sobre miséria, porque Jack Nicholson e Meryl Streep em "Ironweed", por exemplo, basta que abram a boca para que ninguém acredite que sejam vagabundos bêbados.
    (...) Fiquei fã de Tim Robbins depois de admirá-lo em "The Player", dirigido por Robert Altman. Ele dirigiu um filme, "Bob Roberts", que vai passar aqui. Verei, mas temo pelo meu bom humor, porque comprei uma joça de revista, "Interview", porque tinha uma entrevista com Robbins e, logo nas primeiras respostas, ele é tão politicamente correto, que larguei, zonzo de tédio. Seu filme "Bob Roberts" é posto nos cornos da lua pelos críticos. Já vi, sem ver. A história do demagogo de extrema direita cheio de charme que visa ao mal das massas. "All the kings men", tirado do romance de Robert Penn Warren, com Broderick Crawford, da década dos 40. "A face in the crowd", dirigido por Elia Kazan, década dos 50. "The candidate", com Robert Redford, década (acho) dos 70. Chapéu velho, tudo.

    (O Globo, 10/09/92) - Nova York - Imperdível. Lembro de um filme de John Huston, em que Lillian Gish, ao saber que sua filha adotiva, Audrey Hepburn, era índia, resolve não aceitar o fato e proíbe sua família de comentá-lo sequer. Grande cena. Os politicamente corretos caíram em cima. Agora com o mesmo nome, "Unforgiven", tirando o "The", do filme de Huston, temos um western de Clint Eastwood. É longo. O final, o predizível orgasmo de sangue. Mas é o décimo sexto filme que Eastwood dirige. Aprendeu o ofício. As cenas não terminam com a emoção pré-empacotada dos filmes convencionais, mas pendem no ar, complexas, irresolvidas, como na vida, na arte. É sobre um pistoleiro velho, Clint, e um colega negro, Morgan Freeman, que perderam o gosto por matar, um garoto chato e atrevido, Jaimz (sic) Woolwett, que os leva à caça de uma recompensa oferecida por prostitutas, uma das quais teve a cara cortada por um caubói e um seu amigo. O obstáculo maior é Gene Hackman, um xerif megalômano e brutal, que espanca e quase mata outro pistoleiro aspirante, Richard Harris, inglês. Bala dói muito, as pessoas têm medo de matar e morrer, os brancos tratam os negros de maneira imperdoável, e por muitos minutos desse filme de quase três horas me vi inteiramente absorto e conquistado pela arte de Clint Eastwood, palavras que nunca imaginei escrever.
    (...) Fui ver, em cabine, "Maridos e mulheres", de Woody Allen. É um dos melhores filmes dele e não é, em absoluto, a reprodução do casamento com Mia e do caso de Woody com a coreana. Isso existe, no filme, sem dúvida. Woody, um professor universitário, se interessa por uma moça estudante, Juliette Lewis, a que foi serviciada em "Cape Fear", aquela nojeira. Mas a história é muito mais sutil e complicada. Começa com um casal de amigo visitando Allen e Mia e informando, sem bronca, que vai se separar. O casal é Judy Davis (a melhor jovem atriz da praça) e Sidney Pollack, o diretor, agora ator. Isso choca sutilmente as Allen, digamos assim, porque sabem obscuramente que o casamento deles não vai bem... E quando Judy arranja um amante bonito e fascinante Mia percebe, pela primeira vez, que ela também está apaixonada pelo mesmo cara. Ou seja, não vou contar o final, mas o filme é adulto.

    (O Globo, 13/09/92) - Nova York - Eu deveria ter citado na nota sobre "Unforgiven", imperdoado, o filme de Clint Eastwood, que uma de suas forças máximas é o script de David Webb Peoples. Filme sem script foi tentado por Resnais, Tarkovski e cia., e não dá pedal. Sim, Jack Nicholson, o único ator à altura de Vanessa Redgrave e Jona Fonda, expressa um estupor moral insuperável quando Faye Dunaway é assassinada, acidentalmente, no fim de "Chinatown", mas alguém escreveu aquela cena antes que Polanski a dirigisse e Nicholson a interpretasse. Não se pode dar colher de chá alguma à teoria de que o diretor é deus no céu e nada mais. Presumo que seja idéia de Peoples também, ainda que endossada por Eastwood, o tratamento dado às prostitutas em "Unforgiven", que eu saiba, inédito, em cinema. Elas são profissionais e parecem aceitar seu ofício como parte da ordem das coisas ("Mulher é prostituta porque gosta", Nelson Rodrigues), mas quando uma de suas colegas tem o rosto cortado, numa era pré-Pitanguy, juntam seu dinheiro para oferecer mil dólares de recompensa a quem a vingue, matando o caubói que a cortou e seu amigo que o apoiou. Não são coisas. São seres humanos.

    (O Globo, 20/09/92) - Nova York - Mas há dois filmes acima da média em cartaz, "Unforgiven" e "Husbands and wives". Woody Allen estreou com grande sucesso sexta-feira com "Husband and wives". Nada temos com a vida pessoal dele, ou de ninguém. Basta a nossa...

    (O Globo, 24/09/92) - EUA - Estão começando a bater nos ecofanáticos em partes dos EUA. A solidão da direita. Só consegui lembrar dois bons filmes de direita, "Zulu" e "Breaker Morant". Zulu é sensacional, o maior filme de guerra já feito. Em "The searchers", John Wayne não fez no final com Natalie Wood o que sua cara anunciava o filme todo. Matá-la. Lillian Gish, em "The unforgiven", dá um gosto do que os brancos aqui pensam de outras raças, quando nega que sua "filha", Audrey Hepburn, seja índia.
    É um esforço levar a sério a América Latina. Quando vejo Abimael Guzman, o terrorista, penso em Peter Sellers, disfarçado.
    Do maior interesse, em "Maridos e mulheres" ("Husbands and wives"), é a personagem de Judy Davis, uma mulher casada 20 anos com Sidney Pollack, quando resolvem se separar por incompatibilidades... Pollack logo arruma uma garota jovem e bonita, Lysette Anthony, e que prazer é para um homem de meia-idade ter nos braços carne adolescente, esticadinha nos lugares certos. Mas Pollack leva Lysette a conhecer amigos seus, intelectuais, e ela desata a falar de astrologia e vegetarianismo. Ele se sente humilhado perante os amigos e a despacha friamente. Depois de uma certa idade, orgulho intelectual é tudo para certo tipo de homem...Judy tem maiores dificuldades. Dormir com um homem diferente depois de um a que se acostumou por 20 anos? Mesmo que seja um pão e um encanto de pessoa, como Liam Neeson. Aqui, Woody é delicado. Duas amigas de geração e uma mais famosa e velha choraram castamente no meu ombro sua desdita de separadas quando, à procura de simples amigos do ex-casal, com que pudessem socializar, foram tratadas como animais. Passaram-lhes a mão, sim, senhor, chorava esta senhora mais velha, cujo ex-marido era um boêmio incorrigível. Me disse que pensou em telefonar para ele e voltar para casa porque nunca tinha se sentido tão só e maltratada...Woody vai sobre Juliette Lewis, a menina seviciada pelo gnomo Scorsese em "Cape fear". E, querendo inocência, encontra uma adolescente experimentada em várias camas e perde o interesse. Mia se surpreende pela paixão que sente por Lian Neeson, o namorado de Judy Davis, e termina com ele. Despertou para o sexo aos quase 50 anos. E aí é fria e implacável com Woody. Todo homem que conheço, quando vai deixar uma mulher com quem teve alguma coisa duradoura, sofre as angústias do demo. Mulher, não. Quando decidem nos chutar por outra pessoa fazem isso de cabeça fresca. É verdade que o final, Woody chaplinescamente só, me pareceu fajuto, assim como algumas de suas pseudices intelectuais são dispensáveis, mas o filme não poderia ser mais adulto, inteligente e informado de relações de homem e mulher.
    Os três críticos de algum renome que não gostaram muito, Terence Rafferty, "New Yorker", David Denby, "New York", e Rex Reed, "New York Observer", não têm, como direi, experiência de mulher, e suas resenhas denotam o quanto boiaram do que está nas entrelinhas de Woody Allen.
    ‘Bob Roberts’ reafirma que Tim Robbins é uma estrela, e um ator, e o filme corre, sem dúvida, em estilo documentário de um demagogo que chega à senatoria da Pensilvânia cantando música jeca, fazendo charme e recitando o catecismo politicamente incorreto de que o capitalismo funciona, daí a riqueza dos países que o adotaram. Em suma, é um cão danado, para gente politicamente naif como Robbins, de esquerda (como é monótona a gente de show business em política). Mas é divertidíssimo que o senador liberal, a quem Robbins derrota, é Gore Vidal, bom ator, sim, senhor, que aproveita o filme para repetir que os EUA são dominados pelo conselho de segurança nacional, criado por Truman, em 1950, que tem a CIA, a National Security Agency (que grampeia tudo. Oficialmente não existe. Nem Vida ousou falar dela), o Pentágono etc. O filme é uma plataforma para Vidal, cuja posição ao menos não é ingênua, apenas exagerada, na minha opinião, e algo demodé. O conselho de segurança nacional existe de fato e visava a planejar a política externa dos EUA fundado num realismo maquiavélico, omitindo esse realismo do público porque o sentimentalismo americano, o despreparo geral e, principalmente, a ilusão de que esse país é "bom", no sentido pueril do termo, não tolerariam o maquiavelismo.
    Isso houve, mas foi esfrangalhado durante a guerra do Vietnam, quando parte do establishment, intelectuais e jornalistas quebraram de vez o consenso. Vidal está (um tanto) chovendo no molhado...
    Ainda assim, "Bob Roberts" é bom como cinema. A parecem a mulher de Robbins, a bela Susan Sarandon, James Spader, Pamela Reed e Alan Rickman, em papéis menores, o que indica muita confiança, justificada, no talento de Robbins. Apesar disso, os maiores demagogos são os de esquerda, na minha opinião. Basta olhar em torno.

    (O Globo, 27/09/92) - Nova York - Spike Lee, com sua cara feia, ocupa a capa de "Esquire" de outubro e repete o seu "ato" de ódio aos brancos à jornalista e escritora Barbara Grizzuti Harrison. Repete que Cleópatra era negra. Era branca, filha de um general grego de Alexandre. Que o Egito era negro. Era escuro, mas escravizava os negros africanos de quem Spike Lee descende. Quem anda propagando essas balelas multiculturalistas é o marxista, branco, Bernal, que em face do debate do comunismo resolveu voltar seus canhões contra a civilização ocidental européia. Afinal o eleitorado étnico será sempre mais fiel que o proletariado idealizado pelos marxistas, porque tem o que reclamar de verdade.
    Mas Barbar ri bem de Spike Lee, que, horas tantas, quer ir de táxi para o Brooklyn e um chofer não quer levar. Spike diz que é racismo. Waaal, Barbara nota que ela, branca, 200 vezes não conseguiu táxi para casa no Brooklyn, porque é longe. Um motorista de praça lhe disse, uma vez: "Fora de Manhattan, é Texas".
    Spike nos dará em outubro "Malcolm X", não é 10, é "xis" mesmo, o agitador comuno-muçulmano, que morreu assassinado pelos muçulmanos negros em 1964 (Spike insinua a CIA, claro. Onipresente em todas as fantasias de mentes subdesenvolvidas), porque queria conciliar com os brancos. Para fazer o filme, Spike teve de entrar em acordo com os muçulmanos negros e com a mulher de Malcolm X, a quem ele, em vida, surrava periodicamente, segundo fontes fidedignas, acreditando no dito árabe de que se você não sabe por que está batendo na mulher ela sabe por que está apanhando.
    Eu diria que Spike, um inocente político, não tem capacidade de fazer um filme sobre Malcolm X, uma figura de um certo interesse, porque tinha a capacidade de mudar. Começou cafifa e ladrão, tornou-se revolucionário negro separatista e, quando morreu, se preparava para um compromisso com os brancos. Isso exige talento e percepção política. Spike é um menino mimado e conta a Barbara que sofre, ele e os irmãos, com a madrasta, que é branca e judia, que resolve o problema do pai, mas não o da família, privada de mãe. Todos os problemas americanos desembocam em Freud. Não que ele quisesse isso. Achava os EUA, a América, "o grande equívoco de Colombo".

    (O Globo, 01/10/92) - Nova York - Aquela imagem de Jesse Owens correndo que inspira Dustin Hoffman em "Marathon Man" é do documentário de Leni Riefensthal sobre a Olimpíada de 1936, em Berlim. É maravilhosa. No último "Vanity Fair" há uma reportagem de Stephen Schiff sobre Leni, absolvendo-a de ser nazista. Pois sim. Leni adorava o Fueher. Schiff será o gauleiter cultural do "New Yorker", sob Tina Brown. Cruzes...
    (...) O filme de Woody Allen, "Maridos e mulheres", já está sendo recusado pelo público. É dose para cheval. Judy Davis vai para a cama com Liam Neeson, homem atraente. Não tem prazer algum. E seu marido, Sidney Pollack, não tem sexo com ela há muito tempo. E Judy aceita voltar para o marido, apesar de tudo. É mais confortável, conveniente, menos arriscado. Há por certo milhares e milhares de pessoas que vivem assim e não sabem que vivem, ou melhor, não avaliam como vivem. É o que mais se mente, sobre sexo e dinheiro. É excelente a seqüência em que Juliette Lewis, em close-up, fala do romance de Woody Alen, que admira, mas de que discorda, levando Woody a incontrolavelmente insultá-la, chamando-a de twit, debilóide. Lewis agüenta bem os close-ups, como atriz, mas há vários cortes sur place, o que indica repetição e uma direção de freio de Woody Allen. Mas a moça tem futuro. É um tanto pseudo Judy Davis pensar, enquanto está com Neeson na cama, em pleno ato, nos seus amigos que são hedgehogs ou foxes, porcos espinhos ou raposas. É uma referência ao ensaio mais conhecido de Isaiah Berlin, "The hedgehog and the fox", em que divide artistas entre gente de propósito único, porco-espinho, e versátil, raposa.

    (O Globo, 04/10/92) - Nova York - Mas vi Susan na televisão. Tem feições grosseiras. Leio que nasceu no Arizona. Pensei que lá só dava cactos. Foi casada por uns tempos com o ensaísta Philip (bocejo) Rieff, deu-lhe um filho, David, homem e hoje escritor, também. Susan mora com Annie Leibowitz, a fotógrafa de trivialidades doentias para "Vanty Fair". "The Volcano Lover", uma pseudo-recriação histórica dos tempos do almirante Nelson e sua amante, Emma, a "divina dama", da tradução do filme de Laurence Olivier e Vivien Leigh. Como notei, curiosamente, nenhum crítico se refere ao filme moderno, com Peter Finch e Glenda Jackson, que mostra com muito maior realismo a relação Nelson e Emma.

    (O Globo, 15/10/92) - Nova York - Mia horror. Infame e contrária a qualquer noção de ética jornalística é a publicação em "Vanitt Fair" de "Mia’s story", de uma certa Margaret Orth, que, de honesto, tem apenas o título "A história de Mia", porque descreve um Woody Allen tarado que já enfiava o dedo entre as nádegas de sua filha adotiva, Dylan, quando ela tinha 4 anos. Tem 7 hoje. Ou seja, o que Orth não percebe, nem sua manipuladora, Mia, é que se isso for verdade Mia e família consentiram por dois a três anos que Woody molestasse a menina, sem nada fazer, exceto pedir a ele que parasse de bolinar Dylan. Foi quando Woody decidiu se mandar com Soon Yi que Mia resolveu revelar seu "crime", de que foi, claro, cúmplice, ainda que por omissão. A canalhice suprema de Orth é dizer que em momento algum Mia sugeriu que Woody tivesse violado também seu filho biológico, Satchel, de 4 anos e meio. Só por essa Woody pode levar à ruína "Vanity Fair", num processo. Todos os primeiros despachos do caso davam que Mia acusava Woody de molestar Dylan e Satchel, eu próprio escrevi isso em jornal, incrédulo. Aí, algum advogado esperto aconselhou Mia a "largar" Satchel porque seria difícil convencer ao mundo que alguém tão heterossexual como Woody fosse também descambar para pedofilia com um garoto. D. Maria de Lourdes Villiers Farrow, Mia, é mais uma mulher rejeitada que se sentindo abandonada pelo companheiro de 12 anos apelou para a ignorância. E é de um mercenarismo extraordinário. Conseguiu de Woody US$ 2 mil por mês para cada um dos três filhos, dois adotivos, Moses e Dylan, e Satchel. Uma quantia absurda para se gastar em criança. Essa história vai acabar muito mal. O filme de Woody, "Maridos e mulheres", ao contrário do que noticiei, está resistindo na bilheteria. Afinal, é o que importa. Vita brevis, ares longa.
    (...) Denholm Elliot, morto aos 72 anos, um ator para todas as estações. Lembro dele naquele filme maravilhoso levado no Império do Rio, "The heart of the matter", traduzido comicamente para "O coração da matéria", baseado no romance profano de Graham Greene. O herói, Scobie, Trevor Howard, se suicida por piedade da mulher, Elizabeth Allan, cometendo um pecado mortal, mas "lógico" dentro da teologia radical, jansenista, de Greene. Elliot era o agente secreto inglês na África, que namora a mulher de Scobie, a quem ele trai com Maria Schell, jovenzinha.
    No meu dicionário de filmes está um comentário de Lindsay Anderson, "Uma curiosa escolha para um filme comercial". Certo, mas era magnífico. E Elliot, que devia estar começando em 1953, ano desse filme, foi o Raffles, o ladrão maravilhoso da nossa infância, de Graham Greene, que vi em 1975. Ou o mestre da classe alta, em "Nothing but the best", às voltas com psicopata ambicioso socialmente. Era parte da paisagem cultural.
    Talvez vocês tenham visto em, hum... "Uma janela para o amor". Elliot era o pai de baixa classe do rapaz que conquista Helen Bonham-Carter. A consciência liberal de E. M. Forster, o autor do livro. Ou como Dr. Rank, em que colocou Jane Fonda no chinelo em "A casa de bonecas". Fazia todas as classes. E de primeira classe...

    (O Globo, 22/10/92) - Nova York - Revejo ‘Maridos e Mulheres’ num cinema normal, um supermercado de cinemas. O filme é tão bom quanto me pareceu da primeira vez. Se bem que se Woody Allen fosse proustiano, não se daria ao trabalho de "desconstruir amor romântico", como desconstruiu a ética de fachada de Hollywood em "Crimes and Misdemeanors".

    (O Globo, 01/11/92) - Nova York - O último filme de Tony Perkins foi "Nas matas profundas", de TV. Ele, o ótimo, o filho de Osgood Perkins, o ator mais elegante da Broadway, no seu tempo. Tal pai, tal filho.

    (O Globo, 08/11/92) - Nova York - (...) É um alívio passar de Burke e O’Brien à biografia de David O. Selznick, meu cineasta favorito, verdadeiro autor de "...E o vento levou", o filme que no ano 3000 será testemunha favorável do nosso lado infantil e encantador de criaturas do século XX. Leio seletivamente a biografia de David Thomson, Showman, Knopf, 792 págs., US$ 35. A história é conhecida, mas melhora a cada recontagem. Selznick, um liberal político, adaptou "... E o vento levou", romance gigantesco de Margaret Mitchell, excluindo todas as cenas em que o racismo, natural, de sulista, biológico quase, de Mitchell se espalha descrevendo a grotesquerie dos negros, sua inferioridade, e as glórias da Ku Klux Klan. O que temos no filme é uma grande história de amor, de narrativa e drama e a exposição de pontos de vista opostos, a definição de Edmund Wilson de literatura. Vi-o dezenas de vezes.
    Fiquei surpreendido de saber que a primeira mulher de Selznick, Irene Mayer, era hetero, deu-lhe filhos, um ombro muitos anos para chorar, e cedeu-o graciosamente a Jennifer Jones, que tentou devolvê-lo, uma vez, invadindo a carruagem "Zélia" em que Irene passeava no Central Park (naquele tempo era OK). Irene respondeu, ""Thanks, but no thanks". Thomson diz que David morreu cedo pelo abuso de benzedrina, aos 63 anos. Bobagem. Morreu de vácuo na alma, da necessidade obsessiva de estar sempre ocupado para esquecer a morte, seja jogando compulsivamente, amando mil mulheres, quase todas suas atrizes (Shirley Temple e Claudete Colbert dizem que escaparam...) passaram pelo "teste do divã", ou fazendo filmes. O mais interessante de "...E o vento levou" é que o dramaturgo Sidney Howard, que teve o seu tempo de glória, fez um script inicial do romance. Foi mexido por dezenas de escritores. O último "médico" do script foi Ben Hecht, velho amigo de Selznick. Devolveu o script a Selznick, dizendo que, depois de todas as mexidas, o que ficava era o trabalho original de Sidney Howard. Em 1948, Selznick resolveu produzir "O terceiro homem" porque havia um papel bom para Alida Valli, sua contratada. As conversas de Selznick com Grahan Greene, autor do script, e Carol Reed, diretor, são maravilhosas. Ele achava o título "O terceiro homem" coisa de viados. Sugeriu que trocassem, esperando que não ficassem, como viados, ofendidos. Nada tinha contra a "classe". Mas Selznick acreditava que todo inglês era viado. Por fim, deixou o filme rodar como o grande divertimento que é e sem mudar nada.
    Foi o primeiro e último dos grandes produtores independentes.
    Daniel Day-Lewis, abafando com as mulhas, como Hawkeye em "O último dos moicanos". Hawkeye, para nós, é o eletricista de Sunset Boulevard, que joga um holofote em Gloria Swanson, quando ela vai ao estúdio de Cecil B. De Mille. Gloria olha para cima e chama Hawkeye e nos desmilinguimos em epifania.

    (O Globo, 12/11/92) - Nova York - Antes de sair de Nova York, recuso convite para ver "Drácula", de Francis Coppola. Oferecem para pagar vale de táxi (!) e teto para telefonemas per capita de US$ 100 (!), bufê gigantesco, champanhe, salmão, o picadinho-relations em alto estilo. O filme só pode ser uma fórmula do cobre.

    (O Globo, 15/11/92) - Nova York - Outro leitor me diz que Randolph Scott morreu em 1987, que casou duas vezes e seu "casamento" com Cary Grant é muito discutível. Bem, se morreu, o nosso Ephraim Katz, autor de "Film encyclopedia", livro de consulta de todo mundo aqui, não registrou. Casar com mulher não tem nada a ver com ser salta-pocinhas, como dizem nossos irmãos portugueses. O casamento de Grant e Scott é notório. Está na seção "Casais", do famoso "Hollywood Babylon", os dois rapazes à vontade em casa, de shorts. Só acabou porque os respectivos estúdios estrilaram.
    O ‘New Yorker’ agora é conhecido como o Tina Brown.
    Para cantar "Get happy (shout Hallelujah)", Judy Garland, segundo seu novo biógrafo, David Shipman, teve de ser tratada psiquiatricamente e hipnotizada, durando todo o processo três meses. O chamado stage fright, medo do público. Mas Judy é imortal em "Get happy", uma alegria borbulhante e irresistível. Como em "Look for the Silver Lining", em "Till the clouds roll by". Ela e Mickey Rooney faziam uma dupla musical do barulho. Ouvindo outras cantoras interpretando as músicas de Judy é que me dou conta como nossa geração, contemporânea de Judy, foi mimada. Nada igual.

    (O Globo, 26/11/92) - Nova York - Nos bastidores do filme. Enquanto isso, "Malcolm X", o filme, prega violência dos negros contra os brancos, esses diabos de olhos azuis, segundo o credo de Elias Maomé, o chefe da seita de "Malcolm X", dos muçulmanos negros, nos anos 1960. Dos judeus, Malcolm dizia que drenavam a masculinidade dos jovens negros.
    Não está no filme, claro, porque Spike Lee é louco mas não rasga dinheiro, mas a declaração persiste on the record. Lee é safado. On the record também está Louis Farrakhan, o sucessor de Malcolm X, hoje em grande evidência, dizendo na época, 1965, que Malcolm estava condenado a morrer como traidor. E morto foi por dois muçulmanos negros. Spike Lee insinua que a FBI o matou. Marshall Frady, no "New Yorker", cita fichas do FBI em que este se ofereceu para proteger Malcolm dos muçulmanos negros, oferta recusada. E Spike contratou Farrakhan como "consultor" e os guarda-costas da filmagem são negros muçulmanos... Depois de Oliver Stone ficou provado que potoca bem empacotado com "desinformativo" é mina de ouro.
    Não é só no Brasil. O versinho que parafraseei de Gonçalves Dias tem aplicação mundial: "Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá/ Corrup... Corrup...

    (O Globo, 26/11/92) - Hollywood - Plus ça change... Pauline Kael diz que em Hollywood fazem sempre o mesmo filme. É brilhante como ela prova que "A primeira página", filme de molecagem jornalística, tem essencialmente o mesmo script de "Gunga Din", sobre guerras inglesas na Índia. Em "Malcolm X", jovens negros aparecem no fim e dizem, "Eu sou Malcolm". Isso foi fisgado de "Spartacus", quando Kirk Douglas vai se confessar líder, e seus colegas gritam um a um "Eu sou Spartacus". Há também cameos, aparições curtas de celebridades, como Christopher Plummer et. al., o que é típico dos filmes de Woody Allen, de quem Spike Lee tem um ciúme obsessivo. "Mo’ better blues" é um Woody Allen noite-ilustrada. Waaal...

    (O Globo, 26/11/92) - Nova York - Penso em ver ‘Dracula’. Dizem que é bonito. Mas minhas pernas se recusam. Velho demais para essas bobagens de vampiro. E o filme custou US$ 40 milhões. Em filme de Coppola, US$ 10 milhões foram em cocaína. Acabo indo ver "Jennifer 8", com o avião que é Uma Thurman, mulher imensa, de uma beleza estonteante, e lembro o anão gritando "É tudo meu, é tudo meu". Não é uma cara vivida, e, sim, de boneca. Não há "respiração pesada" entre ela e Andy Garcia, porque Uma faz uma cega e, se tirasse os panos para Garcia, os politicamente corretos iriam dizer que era exploração do desamparo de uma cega. As duas cenas sexuais, de rigueur hoje em todos os filmes, são castíssimas, e uma com fundo musical de "Noite feliz", do Natal, cantada em alemão (!), "Heilige Nacht", que meu avô entoava religiosamente diante de uma vasta árvore de Natal de 1936 a 1944. O thriller, sobre um assassino de mulheres (serial killer), é de rotina, mas John Malkovich, como um interrogador de polícia que aperta Andy Garcia, porque acha que ele matou seu parceiro, Lance Henriksen, também uma presença forte, literalmente põe o filme debaixo do braço e o rouba. Por alguns minutos caímos na realidade da emoção não empacotada (a empacotada contém a reação que o público deve ter), e sangue de verdade ameaça jorrar Malkovich e o estultificado Andy Garcia (um híbrido de Michael Douglas e Al Pacino). O filme me lembrou "Point Blank", dos anos 1960, com Lee Marvin. É um triunfo de estilo sobre conteúdo vazio. A direção de arte não poderia ser melhor. O chiaroscuro da fotografia me lembrou Tintoretto. Desde a primeira cena, em que Garcia e Henriksen cavucam uma vítima do assassino, num depósito de lixo, temos a impressão de que estamos numa terra nuclearmente devastada. E, no final, Garcia e Uma se abraçam num paraíso de vegetação deserta, sozinhos no mundo. A cena em que Uma se desnuda para tomar banho numa banheira é uma fusão entre o sensual e o sinistro, que o consciente, a ação, do filme, não comporta. O diretor é Bruce Robinson. Não conheço.

    (OESP, 24/12/92) (*) Nicholson, Jack - Hoffa tem direção de Danny DeVito, que leva muito jeito, mas o que sobressai é mais uma performance de Jack Nicholson. É um Hoffa que nos mantém na ponta da cadeira com sua energia, versatilidade e fúria. É um animal que lembra o basilisco ou até gárgula de igreja. No meio da pauleira, Nicholson emerge como o Príncipe das Trevas, contestando tudo e ousando o que der e vier. Cria uma auréola de intimidade, intransponível a gente de fora, do que era um sindicato nos tempos heróicos.

    (*) Extraídos do livro "O Dicionário da Corte de Paulo Francis", organizado por Daniel Piza, para a Companhia das Letras. Edição 1996.
    - Ilustração: collages de Tide Hellmeister que durante anos enriqueceu a coluna "Diário da Corte".
    posted by iSygrun Woelundr @ 1:37 PM  
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